quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Importante: ler ,discutir e transformar coletivamente nossa sala de aula !!!



ESCOLA: ESPAÇO PARA A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DA CRIANÇA
ELISÂNGELA MARIA DE JESUS



Este artigo tem como objetivo analisar as relações de preconceito existentes para com a criança negra no espaço social da escola, tendo como base autores que possuem um arcabouço teórico e anos de pesquisa sobre o tema. Faz-se necessário a partir do estudo das obras destes autores, analisar como atitudes de preconceito étnico comprometem a identidade e auto-estima da criança negra, podendo levá-la a um processo de exclusão social.
Segundo Cavalleiro, a interface racismo e educação oferece possibilidade de colocar num mesmo palco a importância de duas temáticas: Função social da escola e diversidade cultural. Quando analisamos as relações raciais dentro da escola, questionamo-nos até que ponto ela está sendo coerente com a sua função social quando se propõe a ser um espaço que preserva a diversidade cultural, responsável pela promoção da eqüidade.
Para a pedagoga e socióloga Alice Itani, professora de sociologia da UNESP/Rio Claro, o preconceito étnico faz parte do comportamento cotidiano. Ela afirma em seu artigo “Vivendo o preconceito em sala de aula”, escrito em 1998, que os negros se defrontam constantemente com atitudes preconceituosas, sejam em atos ou gestos, discursos e palavras. Itani ressalta que o preconceito étnico é o que mais está presente na sociedade brasileira e, conseqüentemente, na prática escolar.
A escola é responsável pelo processo de socialização infantil no qual se estabelecem relações com crianças de diferentes famílias o que favorece a construção da identidade da criança. Esse contato poderá fazer da escola o primeiro espaço de vivência das tensões raciais.
A relação estabelecida entre crianças brancas e negras numa sala de aula pode acontecer de modo tenso, ou seja, segregando, excluindo, possibilitando que a criança negra adote em alguns momentos uma postura introvertida, por medo de ser rejeitada ou ridicularizada pelo seu grupo social.
O discurso do opressor pode ser incorporado por algumas crianças de modo maciço, passando então a se reconhecer dentro dele: "feia, preta, fedorenta, cabelo duro", iniciando o processo de desvalorização de seus atributos individuais, que interferem na construção da sua identidade de criança.
Por isso educadores precisam estar atentos aos valores étnicos, procurando estudar mais sobre a questão das crianças afro-descentes, favorecendo o contato entre os pares de modo que se estabeleçam relações mais harmoniosas.

PRECONCEITO ÉTNICO NA ESCOLA
A ausência do componente negro na escola priva as crianças negras de conhecerem a sua história, que vai muito além da escravidão, a escola necessita com urgência reformular conteúdos e problematizar a questão do negro no contexto escolar. Dando a conhecer a diversidade cultural da criança negra, criando possibilidades de conhecimento da sua cultura.
Eliane Cavalleiro, paulista, pedagoga que fez mestrado com a tese “Do silêncio do Lar ao silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação Racial na Educação Infantil”. Em sua pesquisa, realizada durante oito meses em três salas de aula de uma escola municipal de educação infantil, em São Paulo, Cavalleiro constatou:

Há todo um aparato para representar e valorizar a criança, a família e o profissional branco e não há o mesmo em relação ao negro. O que mais me chamou a atenção foi o jeito debochado dos professores no contato com a criança negra. Facilmente esses alunos são chamados de “filhotes de São Benedito” ou “cães em figura de gente”. Esses comentários não costumam ser diretos, mas é comum que um professor fale para outro, quando a criança está passando. Eles se divertem se percebem que ela ouviu. (CAVALLEIRO, 2001, p. 38)

Assim, não fica difícil perceber o lugar do negro no espaço escolar. Muitas crianças acabam resignando-se a esse não reconhecimento a ponto de se avaliarem de maneira distorcida, considerando-se incapazes, inferiores e, ao menor sinal de dificuldade, abandonam o processo escolar. Criando o ciclo vicioso, que perpassa as gerações das famílias afro-descentes.
Em outra pesquisa realizada com crianças de uma escola pública de Campinas, Cavalleiro (2001) investigou como eram estabelecidas as relações entre crianças negras e brancas em uma sala de aula. Foi observado que os dois grupos se relacionavam de modo tenso, segregando-se, excluindo-se. A criança negra mantinha-se em uma postura introvertida, recusando-se em muitos momentos a participar das atividades propostas, com medo de que os outros rissem dela, ou seja, para não ser rejeitada ou ridicularizada, ela preferia calar a sua voz e sua dor. Isso ilustra quanto uma situação social pode silenciar as crianças negras, reduzindo-se as a um estado quase de mutismo e invisibilidade em sala de aula, levando-as a um profundo desconforto e sofrimento.
Numa das atividades propostas em sala de aula, foi solicitado às crianças que falassem sobre si mesmas em uma redação. A criança negra se auto referia de modo depreciativo, descrevendo-se a partir do discurso dos seus colegas: “feia, preta, fedorenta, cabelo duro”. As meninas negras não se sentiam desejadas pelos meninos como as outras colegas que tinham um cabelo liso e grande.
Em outra pesquisa, realizada em escolas de Belo Horizonte, Rita de Cássia Fazzi, doutora em sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (IUPERJ), no livro “O drama racial de crianças brasileiras – Socialização entre pares e preconceito”, afirma:

A ênfase dada pelas crianças ao aspecto estético, distinguido entre o que é feio e o que é bonito, sugere o desenvolvimento do preconceito racial, visual, provavelmente através de pistas verbais quando da aquisição de padrões de beleza. Desde muito cedo a criança aprende, por exemplo, que cabelo liso é cabelo bonito, e esse padrão é reforçado, uma vez que parecem ser raros, senão inexistentes, elogios ao cabelo crespo durante a infância. (FAZZI, 2004, p. 117)

Desta forma, a criança negra poderá incorporar esse discurso e sentir-se marginalizada, desvalorizada e excluída, sendo levada ao falso entendimento de que não é merecedora de respeito ou dignidade, julgando-se sem direitos e possibilidades. Esse sentimento está pautado pela mensagem do outro que é transmitida às crianças negras e aprendida muito cedo pelas crianças brancas, de que para ser aceita é preciso corresponder às expectativas do padrão dominante, ou seja, ser branco.
A contradição do preconceito étnico numa sociedade pluricultural e pluriétnica precisa ser estudada e refletida na perspectiva de construção de identidade, pois ela se constrói na relação com o outro.
Desta maneira, podemos analisar as relações étnicas num dos espaços de superestrutura do país – a escola – e como esta contribui para a formação da identidade das crianças negras, considerando que o início da fase escolar é o momento no qual mais facilmente as crianças incorporam as mensagens que lhe são transmitidas pelos colegas e preceptores, pois é nesse espaço que elas testam suas relações e conjuntos de valores, atitudes, comportamentos, crenças e noções étnicas apreendidos em outros lugares, como na família.
A escola é o ambiente onde os grupos sociais estão em constante diálogo e conflito, sob o desafio do respeito à diversidade. O ambiente escolar para a criança negra pode ser o espaço para a sedimentação da sua identidade, cuja construção se inicia no seio familiar; ou ainda, pode vir a ser o palco onde a construção da identidade nega suas raízes étnicas, caso se confronte com relações de exclusão.
O cotidiano escolar pode demonstrar a (re) apresentação de imagens caricatas de crianças negras em cartazes ou textos didáticos, assim como os métodos e currículos aplicados, que parecem em parte atender ao padrão dominante, já que neles percebemos a falta de visibilidade e reconhecimento dos conteúdos que envolvem a questão negra.
Essas mensagens ideológicas tomam uma dimensão mais agravante ao pensarmos em quem são seus receptores. São crianças em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social, que podem incorporar mais facilmente as mensagens com conteúdos discriminatórios que permeiam as relações sociais, aos quais passam a atender os interesses da ideologia dominante, que objetiva consolidar a suposta inferioridade de determinados grupos. Dessa forma, compreendemos que a escola tanto pode ser um espaço de disseminação quanto um meio eficaz de prevenção e diminuição do preconceito.
Percebe-se que a escola é o local das descobertas para a criança, e lá que ela aprenderá a conviver ou não com críticas, competições, perdas e realizações. Além disso, a escola é a instituição que ministra o conhecimento, o qual deve se basear em valores éticos e democráticos, pois a formação do cidadão consciente está em grande parte sob a responsabilidade da escola.
Por isso, os projetos pedagógicos deveriam expressar e dar sentido democrático à diversidade cultural presente no espaço escolar, reconhecendo e valorizando estas culturas e ensinando aos educando a respeitarem a cultura do outro, como aponta o professor Neidson Rodrigues, doutor em educação pela PUC/SP e mestre em filosofia das ciências, pela USP:
Ter uma escola democrática significa desenvolver uma educação escolar que compreenda as diversas interferências e interesses que perpassam a sociedade e que organize o ensino de forma a levar o educando a compreendê-lo e a compreender o papel de cada um, individualmente, e o de cada grupo organizado, para poder interferir nas ações dessa sociedade. (RODRIGUES, 1988, p.60).
Deste modo a escola abrange os interesses da sociedade, isto é, ela não é fechada em si mesma66é fechada em si mesma. Segundo Nilma Lino Gomes (2004, p. 105), “se concordamos que a escola é um direito social, temos de avaliar seriamente se ela de fato tem sido assim para negros e brancos”. A adoção de políticas de ação afirmativa para o povo negro no Brasil não pode ser confundida com paternalismo. Na opinião da autora, trata-se de justiça social.

CRIANÇA NEGRA: A IMPORTÂNCIA DA SUA IDENTIDADE

Para algumas crianças negras a dificuldades de auto-aceitação decorre de um possível comprometimento de sua identidade com as atribuições negativas de seu grupo social. O que acontece, sobretudo com as crianças, que estão em processo de desenvolvimento emocional, cognitivo e social, é uma internalização do discurso alheio.
Em outras palavras, é pelo olhar do outro que alguém se constitui como sujeito e é a qualidade desse olhar que contribui para o grau de auto-estima de qualquer indivíduo, seja ele branco ou negro.
A escola é o lugar onde a criança desenvolve a capacidade de questionar, ter consciência de sua identidade e a qual grupo pertence, pois é esta consciência que abrirá o caminho na busca da construção da identidade e provocará uma revolução no jeito de pensar do homem moderno. A escola precisa estar bem preparada para acolher a pluralidade étnica e cultura, pois “sabe-se que nossas escolas se norteiam pelos valores da classe média. Neste sentido, uma criança de classe baixa tende a ser menos ajustada...” (RAPPAPORT, 1982, p.100)
O processo educativo pode ser uma via de acesso para a criança negra ao resgate de sua identidade, auto-estima e autonomia, pois a escola é o ponto de encontro e embate das diferenças étnicas, podendo ser instrumento eficaz para diminuir e prevenir o processo de exclusão social e incorporação do preconceito pelas crianças.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAVALLEIRO, E. Educação anti-racista: compromisso indispensável para um mundo melhor. In: Cavalleiro (org) Racismo e anti-racismo na educação. São Paulo: Summus, 2001.

CAVALLEIRO, E. Do Silêncio do Lar ao Silêncio Escolar: Racismo, Preconceito e Discriminação na Educação Infantil. São Paulo: Contexto, 2000.

COSTA, J. F. "Da cor ao corpo a violência do racismo" In: Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro: Graal

FAZZI, Rita de Cássia. O Drama Racial de Crianças Brasileiras: Socialização entre Pares e Preconceito. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
FERREIRA, R.F. Afro-descendente, identidade em construção, São Paulo: EDUC Rio de Janeiro: Pallas, 2000.

ITANI, Alice; AQUINO, Júlio Groppa. Diferenças e preconceitos na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus, 1998.
RODRIGUES, Neidson. Da mistificação da escola a escola necessária. São Paulo: Cortez, 1988.
Elisângela Maria de Jesus
Publicação: www.paralerepensar.com.br - 10/07/2006



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