domingo, 21 de novembro de 2010

Continuem assim...

Realizamos no dia 20/11,sábado,a 1ª mobilização contra o racismo em Araucária,contamos com várias atividades culturais...
Este Grupo está de parabéns por essa e outras iniciativas de combate a exclusão de toda ordem!!!

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Lá em Palmares,aprendemos o que é Mobilização!!!

No próximo sábado,dia 20/11/2010,das 10:00h às 14:00h,estaremos na Praça do Seminário (Araucária) em atividade aberta à Comunidade,para transformar este espaço público em ESPAÇO DE DEBATE SOBRE O RACISMO...
Teremos várias atividades entre elas:desfile infantil,afroaeróbica,artesanatos,comidas afrobrasileira,música e muita alegria para festejar "Zumbi" dos Palmares.
Convide e multiplique esta ação,só assim seremos um outro Brasil!!!A hora é de unir esforços!!!

Comemore conosco!!!

Estaremos realizando a 4ª CONFERÊNCIA sobre Africanidades na próxima 6ªfeira
(19/11/2010),na Câmara Municipal de Araucária,as 18:30h,palestra sobre "As Cotas Raciais na Universidade"...
Convide todos a participarem desta atividade juntos podemos reconstruir a história brasileira superando o Racismo...
Aguardamos à todos e à todas...Muito axé!!!

domingo, 7 de novembro de 2010

VOCÊ SABE O QUE É ABAYOMI???

CECAB - Lenço de Seda
CECAB - Centro de Estudos da Cultura Afro-Brasileira


Bonecas de Pano

A tradição das bonecas vem desde o Egito dos faraós. Naquela tradição eram bonecas de braços moveis, peruca de cabelos naturais, às vezes acompanhadas de pequenas casas com minúsculas mobílias. Os gregos e os romanos faziam bonecas de madeira ou marfim, com articulações de couro ou tecido.

Na arte popular brasileira é muito comum a confecção de bonecas de pano como a Boneca Abayomi que surgiu no movimento de mulheres negras do Maranhão, tendo sido criada por Lena Martins que buscava na arte popular um instrumento de conscientização e sociabilização.

As bonecas Abayomis são negras feitas com sobras de tecido que são amarrados resgatando a forma mais singela do fazer artesanal , sem uso de costuras e o mínimo de ferramentas. Também constrói-se as bonecas com papel crepom por ser bem flexível. Util em cursos de formação e oficinas com crianças e adolescentes . São inspiradas em personagens de reconhecimento popular como dos contos de fadas, circo, orixás, congado os reis magos entre outros.

Através das Bonecas Abayomis busca-se o fortalecimento e o reconhecimento da identidade afro-brasileira além disto permite à criança ou adolescente construir o seu próprio objeto estímulando a fantasia.
Acervo relacionado a “Bonecas de Pano”

ANTES DE CONCLUIR,LEIA ESTE ARTIGO...

O sítio politicamente incorreto

Percival Puggina | 07 Novembro 2010
Artigos - Governo do PT

Quem pode assegurar que Tia Anastácia não fosse quilombola?

O poderoso Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu emitir uma notificação de censura ao livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, que seria distribuído à rede de ensino do país. A conselheira Nilma Lino Gomes leu a obra e viu nela preconceitos contra a África e racismo. Exigem, então, os conselheiros, que o texto venha precedido de uma reprovação de seus desalinhos ideológicos com a nova realidade nacional. Tenho certeza de que não faltará quem se habilite a produzir esse importante prefácio corretivo. Seja qual for a estupidez, sempre há quem se considere capaz.

Dei uma investigada no Sítio do Pica Pau Amarelo, uma lida no livro e venho em socorro do Conselho: Caçadas de Pedrinho é politicamente incorreto de capa a capa! O sítio inteiro, aliás, está a exigir cuidadosa inspeção do Ministério Público Federal. Em primeiro lugar porque, há muito tempo, era para estar desapropriado (atenção, Incra!). Que negócio é esse? Uma propriedade rural com utilidade apenas ... literária? Péssimo exemplo para estar sendo apresentado à uma juventude que se quer cidadã e comprometida com as causas sociais.

Tem mais, conselheira Nilma. Cadê a certidão de propriedade do sítio? Alguém já a viu? E não me venha o branquela do "seu" Monteiro Lobato com uma simples trintenária julgando que seja suficiente. Não no Brasil moderno! Quem pode assegurar que Tia Anastácia não fosse quilombola? Detentora dos direitos culturais históricos protegidos pelos artigos 215 e 216 da Constituição Federal? Ou dos muito prováveis direitos de posse mencionados no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Hum? É admissível que uma republicação de Caçadas de Pedrinho, em tempos de Lula e Dilma, deixe de mencionar tais avanços da sociedade brasileira?

Na pesquisa que fiz, encontrei uma foto da negra Anastácia, datada de 1913 (está disponível na Wikipedia). Era magra, de meia idade. Na imagem, aparece tendo ao colo o menino Guilherme, filho de Monteiro Lobato. O autor, reiteradas vezes, admitiu publicamente, que essa Anastácia, essa pobre e infeliz Anastácia, havia inspirado a criação da personagem Tia Anastácia! Basta fazer as contas para perceber que a desventurada senhora foi, ela mesma, escrava. Fugida ou liberta, não importa. E acabou, mais uma vez, sendo explorada pelo patrão branco que promoveu o uso gratuito de seus evidentes direitos de imagem. Pode o Conselho Nacional de Educação silenciar sobre tal iniquidade? Referendar obra que escarnece valores tão significativos? Anota essa outra aí, conselheira Nilma.

Quer mais, o CNE? Debruce-se sobre o personagem Visconde de Sabugosa. Pondere, leitor. O visconde é um personagem da nobreza. Encarna saber e coragem física. Tantas vezes morresse, tantas vezes era ressuscitado com a simples troca do sabugo que compunha seu corpo. É ou não uma exaltação simbólica da elite nacional e de sua perpetuação através dos tempos? Pode haver algo mais antidemocrático e elitista do que um imortal representante da nobreza, além de tudo apresentado como encarnação da sabedoria e do destemor? Eu, hein! E para finalizar: cadê a autorização do Ibama para a Caçada do Pedrinho?




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Por que o racismo no Brasil é tão velado???

Racismo cordial em ação


Publicado em 16/06/2010 no Jornal Gazeta do Povo (PR) - Dora Lucia Bertulio (*)



O Estatuto da Igualdade Racial foi, ao longo dos anos, sendo modificado para que fossem suavizadas as significantes indicações do comportamento racista nacional e, muito especialmente, os nefastos efeitos do racismo institucional que a sua aprovação documentaria.



Tensões, esforços e energia dos militantes do movimento negro nacional, dos companheiros antirracistas e do senador Paulo Paim estão se escoando nessa nova tentativa de sua aprovação, com base em um parecer da Comissão de Consti­­tuição, Justiça e Cidadania mais que enfraquecido pelas modificações realizadas nas duas casas legislativas. Ele retira o fundamento maior do documento que é a exigência da exclusão da palavra "raça" com argumentos pseudocientíficos de genes e genoma, quando o conceito já está consolidado no ideário científico e comum, não somente do Brasil, mas da comunidade internacional. É necessário trazer à memória o esforço da Organização das Nações Unidas (ONU), que reiteradamente tem editado e realizado convenções, conferências e reuniões para indicar aos países membros o fim do racismo e da discriminação racial, exigindo a implementação de políticas públicas para tal objetivo. Veja-se, por exemplo, a Con­venção Inter­­nacional para a Eliminação de Todas as Formas de Discri­­minação Racial, e a recente III Conferência Mundial para a Eliminação de todas as Formas de Racismo, Discrimi­nação Racial, Xeno­­fo­­bia e formas conexas de Dis­­cri­minação. Seus relatórios e de­­clarações, todos aprovados pe­­lo Estado brasileiro, são ex­­plí­­citos na utilização dos termos "raça" e "racismo" para de­­signar o fenômeno social de uti­lização da discriminação e ex­­clusão social com base no pertencimento racial dos indivíduos.

Assim, a mudança do termo "raça" para "etnia", assim como a retirada da referência à escravidão, a retirada da sub-seção "Do sistema de cotas na educação" e a retirada das proposições de medidas práticas para a promoção da igualdade racial no país nos setores de saúde, mídia e demais áreas de referência de qualidade de vida, são especiais eufemismos, com resultados contundentes para a manutenção das desigualdades sociais. Mais ainda: especialmente as modificações do parecer na comissão do Senado que encaminha o projeto para a votação e aprovação interferem negativamente para a educação da sociedade brasileira, que deveria, sim, ser dirigida para a promoção de uma sociedade justa e de respeito ao papel da população negra como efetiva realizadora e contribuidora do desenvolvimento nacional, desde o período da escravidão até nossos dias.

Em vez disso, o que vemos no projeto modificado é mais um "presentinho do racismo cordial brasileiro", que a um tempo indica um "compromisso" do Estado brasileiro para a promoção da igualdade (racial), mas por outro retira significativamente a efetividade da lei na promoção e implemen­­tação de políticas públicas de real promoção da igualdade racial.

(*) Dora Lucia de Lima Bertulio é Procuradora Federal na Fundação Cultural Palmares

Estamos na organização da 4ª Conferencia e da Mobilização Contra o Racismo...

Neste mês estamos organizando nossa 4ªConferência, com o tema:Cotas Raciais na Universidade...Convidamos todos os interessados em discutir esta temática ...Logo adicionarei o convite,favor divulgar ...

sábado, 2 de outubro de 2010

Vale a pena ler estes autores !!!

Referências bibliográficas

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.

d’ADESKY, Jacques. Racismos e anti-racismos no Brasil; pluralismo étnico e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Pallas, 2001.

GOMES, Joaquim Barbosa. Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade. Rio de Janeiro/São Paulo: Renovar, 2001.

GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: discutindo algumas estratégias de atuação. In: MUNANGA, Kabengele (Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: MEC, 1999.

GOMES, Nilma Lino. O impacto do diferente: reflexões sobre a escola e a diversidade cultural. In: Educação em foco, Belo Horizonte, ano 4, n. 04, dez/2000, p. 21-27.

GOMES, Nilma Lino. Educação cidadã, etnia e raça: o trato pedagógico da diversidade. In: CAVALLEIRO, Eliane.(Org) Racismo e anti-racismo na educação; repensando nossa escola. São Paulo: Selo Negro, 2001, p. 83-96.

GOMES, Nilma Lino. Ações afirmativas, por que não? In: Boletim da UFMG, Belo Horizonte, ano 28, n.1347, maio, 2002, p. 02.

GOMES, Nilma Lino. Educação e identidade negra. In: Aletria – revista de estudos de literatura. Alteridades em questão. Belo Horizonte, POSLIT/CEL, Faculdade de Letras da UFMG, v.6, n.9, dez/2002, p. 38-47.

GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira; SILVA, Petronilha Beatriz Gonçalves e. Movimento negro e educação. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, set/out/nov/dez/, n.15, p. 134-158, 2000.

GUIRALDELLI JR., Paulo. O que é pedagogia. São Paulo: Brasiliense, 1991.

HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90. Rio de Janeiro: IPEA, 2001.

MONTES, Maria Lucia. Olhar a si mesmo. Mostra do redescobrimento. Negro de corpo e alma. Associação 500 anos Brasil Artes Visuais, 2000, São Paulo. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2000, p. 174-175.

MUNANGA, Kabengele. A criação artística negro-africana: uma arte situada na fronteira entre a contemplação e a utilidade prática. In: África Negra. Salvador: Prefeitura Municipal de Salvador/Fundação Gregório de Mattos/Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, 11 mai. a 26 jun. 1988. p. 7-9.

SOUZA, Neusa Santos. Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social. Rio de Janeiro: Graal, 1990.

Os negros como sujeitos da sua própria história: um desafio para a escola e para as políticas públicas de educação ...Nilma Lino Gomes

Sabemos que, durante o regime escravista, várias foram as invenções e recriações realizadas pelos africanos escravizados, no sentido de romper com o processo de coisificação social a eles imposto. As transgressões, os abortos, os assassinatos de senhores, as fugas, o culto aos ancestrais, a estética, a medicina natural foram ações desencadeadas pelos africanos escravizados e provam quanto essa coisificação não foi totalmente introjetada e realizada. Essas ações dos negros do passado desafiavam o caráter despótico do sistema escravista em seu propósito de se estabelecer como referencial único e exclusivo.

Hoje, apesar dos tempos neoliberais e da situação de exclusão social que afligem a população negra e pobre deste país, a cultura hip-hop, as comunidades-terreiro, as irmandades, as congadas, a capoeira, os penteados afros, a estética negra, a arte, a luta dos movimentos sociais, as comunidades de bairro podem ser considerados como formas contemporâneas de resistência negra, no Brasil, construídas num intenso processo de recriação e ressignificação de elementos culturais africanos na experiência da diáspora e, mais particularmente, na experiência brasileira.

Por tudo isso, a articulação entre educação e identidade negra vai exigir de nós mais do que leituras, pesquisas e discursos elaborados: exigirá análises, novos posicionamentos e posturas por parte de professores e professoras negros e brancos, tanto da educação básica quanto do ensino superior, e requalificará o nosso discurso sobre a escola como direito social.
Ao fazermos isso, fatalmente seremos levados a questionar o caráter universal das políticas públicas de educação e a indagar se esse caráter tem, historicamente, garantido o acesso e a permanência bem sucedida do negro na educação básica e no ensino superior.
Também seremos impelidos a buscar estatísticas para averiguar se a diversidade étnica existente em nossa sociedade está contemplada na escola pública e privada, na universidade pública, nos cursos de pós-graduação, entre o corpo docente e nos cargos de decisão das instituições de ensino superior. Aí, sim, estaremos efetivamente inseridos no debate sobre a educação brasileira e sua participação no quadro de desigualdades raciais apontado por várias pesquisas.3

Ao levarmos a sério essa questão e buscarmos construir estratégias de reversão do quadro de desigualdade social e racial, estaremos nos posicionando politicamente, e isso implica discordâncias, negociações, acordos e tensões. Mas, ao mesmo tempo, nos aproximaremos da comunidade negra e de suas reivindicações pelo direito à educação de qualidade, o que, além do acesso, inclui a permanência bem sucedida tanto na educação básica quanto no ensino superior.

Se é fato que a sociedade brasileira tem, historicamente, construído formas operacionais para discriminar o negro, já é passada a hora de essa mesma sociedade reverter esse quadro e construir estratégias de discriminação positiva, ou seja, ações afirmativas.

No seu livro Ação afirmativa & princípio constitucional da igualdade, Joaquim Barbosa GOMES (2001:40-41) esclarece que, do ponto de vista jurídico, as políticas de ação afirmativa podem ser compreendidas como uma criação pioneira do Direito dos EUA, a qual representou, em essência, a mudança da postura do Estado que, em nome de uma suposta neutralidade, aplicava suas políticas governamentais indistintamente, ignorando a importância de fatores como sexo, raça e cor. Esse mesmo autor nos ajuda a entender que, atualmente, as ações afirmativas podem ser definidas como um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas ao combate à discriminação racial, de gênero e de origem nacional, bem como para corrigir os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso a bens fundamentais, como educação e emprego.

Dessa forma, é importante esclarecer que as ações afirmativas não se reduzem à concessão de cotas que promoveriam a igualdade de oportunidades de ingresso das minorias em determinados setores do mercado de trabalho e nas escolas. As cotas são apenas uma das estratégias de implementação dessas ações e, ao serem implantadas, desvelam a existência de um processo histórico e estrutural de discriminação que assola determinados grupos sociais e étnico/raciais da sociedade.
Talvez por isso elas incomodem tanto a sociedade brasileira, uma vez que ainda impera em nosso imaginário a crença de que somos uma "democracia racial". Ora, a realidade social e educacional dos negros e mestiços revelada pelas pesquisas mais recentes tem nos mostrado o contrário.

A demanda das cotas por alguns setores do movimento negro, do Estado e da sociedade civil mostra, também, a existência de um novo posicionamento da nossa sociedade frente à discriminação racial. Por isso, é preciso estar atento, acompanhando de perto a implementação dessas propostas e seus objetivos subjacentes.
A concessão de cotas é uma medida de caráter emergencial e provisório de correção de desigualdades. Ao estabelecê-las, a sociedade e o Estado devem comprometer-se com a implementação de outras políticas que visem à superação das desigualdades e à instauração da democracia entre os diferentes segmentos sociais e raciais.
A desativação dessa política, ao longo dos próximos anos, dependerá e muito do nosso compromisso na luta contra a discriminação racial e da implementação de estratégias efetivas, ou seja, de ações afirmativas na superação da desigualdade racial e social.
Por isso, quem deseja e se interessa em discutir questões concernentes à educação e à identidade negra não pode abster-se nem prescindir desse debate político e de todas as tensões e pressões que ele acarreta.

Que caminho seguir?Nilma Lino Gomes

Talvez, um primeiro passo a ser dado pelas educadoras e pelos educadores que aceitam o desafio de pensar os vínculos entre educação e identidade negra seja reconhecer que qualquer intervenção pedagógica a ser feita não pode desconsiderar que, no Brasil, vivemos sob o mito da democracia racial e padecemos de um racismo ambíguo. A partir daí, é preciso compreender que uma das características de qualquer racismo é sustentar a dominação de determinado grupo étnico/racial em detrimento da expressão da identidade de outros. É no cerne dessa problemática que estamos inseridos, o que significa estarmos em uma zona de tensão.

Esse reconhecimento implica sensibilizar a nossa ação docente, quer atuemos na educação básica ou no ensino superior, para quão complexa é a construção da identidade negra, dentro do racismo à brasileira. Quando penso em identidade negra, sempre me reporto ao que a psicanalista Neusa Santos Souza sabiamente escreveu: "ser negro não é uma condição dada a priori. No Brasil, ser negro é tornar-se negro." O tornar-se negro, enquanto uma construção social e individual, materializa-se na concretude de sujeitos sociais, dotados de identidade, corporeidade e memória. Esses sujeitos, ao se relacionarem com o mundo, o fazem a partir de uma diferença que não é só cultural e histórica, mas está inscrita num corpo, na cor da pele, nos sinais diacríticos que, mesmo sendo transformados por meio de uma intensa miscigenação, continuam carregados de africanidade. Africanidade e brasilidade inscritas num corpo, muitas vezes, de maneira tensa e ambígua. No corpo negro e mestiço do brasileiro e da brasileira, a africanidade, como conformadora da identidade negra, incorpora e, ao mesmo tempo, extrapola os sinais diacríticos. Ela está nos gestos, na expressão estética, na arte, na linguagem, na música, na maneira de ser e de ver o mundo. É a complexa relação do corpo visto e vivido na cultura, e da cultura negra vista e vivida num corpo.

Pensar a relação entre educação e identidade negra nos desafia a construir, juntos, uma pedagogia da diversidade. Além de nos aproximarmos do universo simbólico e material que é a cultura, somos desafiados a encarar as questões políticas. Torna-se imprescindível afirmar que, durante anos, a sociedade brasileira e a escola distorceram e ocultaram a real participação do negro na produção histórica, econômica e cultural do Brasil, e, sobretudo, questionar os motivos de tal distorção e de tal ocultação.

Ao caminharmos nessa direção, inevitavelmente, o negro será colocado no lugar do sujeito que ele realmente é; e poderemos considerar a árdua luta das famílias negras na reprodução da sua existência, na luta contra o racismo, na recriação da cultura, na reconstrução da religiosidade.

Consideraremos, também, que racismo e desigualdade socioeconômica caminham lado a lado. Por isso, a escola brasileira tem que se haver com o processo histórico do racismo, com as práticas de discriminação racial, com o preconceito, com a constituição e propagação do mito da democracia racial e com a inculcação da ideologia do branqueamento. E ter que se haver com tudo isso implica posicionar-se politicamente - e não só ideologicamente - contra processos excludentes. Implica construir novas práticas pedagógicas, novos materiais didáticos, abrir debates, estabelecer diálogo com a comunidade negra, com o movimento negro, com os grupos culturais de tradição africana. Talvez, assim, possamos conhecer o que os negros pensam sobre a escola, e, para isso, não há outra saída senão tomar o negro como sujeito e tentar compreender como ele pensa a educação e a cultura nos seus próprios termos e não a partir de impressões ou especulações alheias.

Quando nós, negros, construímos a nossa identidade, não a limitamos à esfera privada. Nenhum processo identitário se reduz a isso. Refletir e afirmar a identidade negra nos coloca no cerne de processos coletivos e públicos e nem todos os sujeitos reagem da mesma maneira diante desses processos. Por isso, é preciso questionar e abandonar um certo tipo de argumento, presente nas discussões sobre relações raciais, na sociedade brasileira, que tende a isolar todos os negros e negras num mesmo tipo de comportamento - de estética, de linguagem, de opção política/ideológica. As contradições, as diferenças, o jogo de interesses, as preferências, as escolhas são questões colocadas para todo ser humano e para todo grupo étnico/racial. O segmento negro também as possui e também as vivencia, como qualquer outro. Muitas vezes, algumas pessoas, no afã de construírem uma postura ética diante da questão racial, incorrem no erro de esperar dos negros um comportamento "diferente" de todos os demais. E é preciso tomar muito cuidado com isso, pois essa é uma postura que está no limiar do reconhecimento da diferença e do racismo!

Mas, a revelação das tensões em torno da construção da identidade negra não causa um processo de exposição apenas para o negro. Pensar a relação entre escola e identidade negra é questionar não só os negros sobre a questão racial, mas também os sujeitos que pertencem a outros segmentos étnico/raciais com os quais eles convivem.

A afirmação da negritude exerce pressão sobre o outro, em especial sobre o branco, e o questiona no seu suposto lugar de quem vive uma situação já dada e já conquistada, no seu suposto isolamento etnocêntrico e lhe revela quão impregnado o branco brasileiro está da negrura e da africanidade que muitos ainda insistem em negar.
Ter que lidar com esse processo identitário não é coisa fácil. É preciso ter coragem para reconhecer que a tão desejada branquitude do brasileiro está, na realidade, repleta de negritude.

Educação e identidade negra e sua realização no ambiente escolar.Nilma Lino Gomes

Educação e identidade negra e sua realização no ambiente escolar

O mais curioso é que, como a educação e a identidade negra participam de processos particularmente imbricados, quando pensamos a sua realização dentro do ambiente escolar, muito desse fascínio e dessa complexidade se perdem, sendo aprisionados por um olhar "escolar" que, de pedagógico e de condutor, no sentido etimológico da palavra pedagogo,2 resguarda muito pouco ou quase nada.

Isso fica mais evidente quando pensamos na especificidade do segmento negro e na sua relação com a educação escolar brasileira: sua inscrição racial é transformada em deficiência e em desigualdade e essa transformação é justificada por meio de um olhar que isola o negro dentro das injustas condições socioeconômicas que incidem, de modo geral, sobre a classe trabalhadora brasileira. Quem de nós já não ouviu frases como: "o aluno negro é mais fraco e apresenta mais dificuldades porque vem de um nível sócioeconômico baixo"; "o aluno negro e pobre não se alimenta direito e por isso é mais desatento"; "eles vêm de uma família desestruturada"; "basta dar alimentação e emprego que os alunos negros se sairão bem na escola e o negro encontrará um lugar na sociedade..."

Quando a diferença étnico/racial é transformada em deficiência surgem também justificativas pautadas num "psicologismo" que reduz as implicações históricas, sociais, e econômicas que incidem sobre o povo negro a comportamentos individuais: "alunos com dificuldade de aprendizagem", por exemplo. A ênfase nesse "psicologismo" encobre o caráter excludente da estrutura escolar brasileira, dando margem para que a diferença cultural da aprendizagem seja vista como desvio. Os alunos e as alunas negras, vistos, dentro da escola, como portadores de "deficiência" ou de "dificuldade de aprendizagem", fatalmente são rotulados como: "indisciplinados", "lentos", "defasados", "atrasados". A estratégia, dita pedagógica, mais comum a ser adotada pelas escolas para "solucionar" esse problema tem sido as salas projetos, as salas especiais, as turmas experimentais.

Embora se possa reconhecer que existam boas experiências no sentido de romper com esses estereótipos, e que nem todos os projetos se encaixam numa visão negativa sobre o negro, essa estratégia pedagógica, na maioria das vezes, resulta em práticas especialmente cômodas para a escola, uma vez que segrega e confina os alunos vistos como portadores de problemas de aprendizagem em um mesmo espaço e, retirando-os do convívio com as outras crianças consideradas "normais", evita o confronto. O mais sério é que, dada a invisibilidade da questão racial na escola, muitas vezes, os educadores e educadoras, ao adotarem tais práticas, sequer percebem que essas salas são formadas por uma grande parcela de alunos negros e pobres. Também não questionam o peso de tal iniciativa na construção da auto-estima e da expectativa escolar desses alunos e de suas famílias.

Embora, atualmente, admitamos com mais freqüência que a maioria da população negra faz parte da classe trabalhadora brasileira, esse reconhecimento nem sempre resulta em uma reflexão séria sobre os cruzamentos entre raça e classe social, na sociedade capitalista e na escola. Sabedores dessa realidade, quando nos deparamos com um número significativo de alunos e alunas negros nas ditas "salas para alunos com dificuldades de aprendizagem" ou "de comportamento agressivo e violento", não podemos considerar tal situação como mera coincidência e tampouco reeditar mais uma versão do mito da inferioridade do negro. Ao olhar essa situação como uma simples "coincidência", a escola desconsidera a seriedade da questão da desigualdade social e racial, da não-integração do negro na sociedade de classes e da presença perversa do racismo ambíguo na sociedade brasileira.

Para sair dessa inércia em relação à questão racial, na escola, é preciso assumir o compromisso pedagógico e social de superar o racismo, entendendo-o à luz da história e da realidade social e racial do nosso país. Nesse caso, veremos que a presença significativa de alunas e alunos negros nas ditas classes especiais representa um reflexo da desigualdade racial que assola a sociedade brasileira e impregna a estrutura de suas diversas instituições. Ou seja, a própria estrutura da escola brasileira, do modo como é pensada e realizada, exclui os alunos e as alunas negros e pobres. Essa exclusão concretiza-se de maneiras diversas: por meio da forma como alunos e alunas negros são tratados; pela ausência, ou pela presença superficial, da discussão da questão racial no interior da escola; pela não existência dessa discussão nos cursos e centros de formação de professores/as; pela baixa expectativa dos professores/as em relação a esse/a aluno/a; pela desconsideração de que o tempo de trabalho já faz parte da vida do/a aluno/a negro/a e pobre; pela exigência de ritmos médios de aprendizagem, que elegem um padrão ideal de aluno a ser seguido por todos, a partir de critérios ditados pela classe média branca, pelo mercado e pelo vestibular, sem considerar a produção individual do aluno e da aluna negra, assim como de alunos de outros segmentos étnico/raciais.

Não é fácil construir uma identidade negra positiva convivendo e vivendo num imaginário pedagógico que olha, vê e trata os negros e sua cultura de maneira desigual. Muitas vezes, os alunos e as alunas negras são vistos como "excluídos", como alguém que, devido ao seu meio sociocultural e ao seu pertencimento étnico/racial, já carrega congenitamente alguma "dificuldade" de aprendizagem e uma tendência a "desvios" de comportamento, como rebeldia, indisciplina, agressividade e violência. Essas concepções e essas práticas pedagógicas, repletas de valores e representações negativas sobre o negro, resultam, muitas vezes, na introjeção do fracasso e na exteriorização do mesmo pelos alunos e alunas, expresso numa relação de animosidade com a escola e com o corpo docente. Diante de uma estrutura e de práticas excludentes não é de se estranhar que muitos/as alunos/as negros/as introjetem o racismo e o preconceito racial.

Essa perspectiva, que prima pela exclusão e trata as diferenças como deficiências, transforma as desigualdades raciais, construídas no decorrer da história, nas relações políticas e sociais, em naturalizações. As desigualdades construídas socialmente passam a ser consideradas como características próprias do negro e da negra. Dessa maneira, um povo cuja história faz parte da nossa formação cultural, social e histórica, passa a ser visto através dos mais variados estereótipos. Ser negro torna-se um estigma.
Se passarmos em revista vários currículos do ensino fundamental e médio, veremos que o negro, na maioria das vezes, é apresentado aos alunos e às alunas unicamente como escravo - sem passado, sem história - exercendo somente algumas influências na formação da sociedade brasileira.
Numa outra face desse mesmo procedimento, o negro, quando liberto, é apresentado como marginal, desdobrando-se na figura do "malandro". Essa postura reforça o estereótipo do não-lugar social imposto ao negro e impede que o vejamos como sujeito histórico, social e cultural.
Cabe a nós, educadoras e educadores, a tarefa pedagógica, política e social de desnaturalizar as desigualdades raciais como um dos caminhos para a construção de uma representação positiva sobre o negro e de uma pedagogia da diversidade.

Como vejo a articulação entre educação e identidade negra? Nilma Lino Gomes

E qual é a importância da compreensão dessa questão para os(as) educadores(as) que atuam na educação básica? Ambas mantêm, entre si, uma relação complexa, uma relação que nos fala de dois processos que apresentam aproximações e distanciamentos, semelhanças e diferenças, avanços e recuos. Processos desenvolvidos pelo homem e pela mulher negra nos diferentes contextos históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais.

A educação pode ser entendida como um amplo processo constituinte da nossa humanização e que se realiza em diversos espaços sociais: na família, na comunidade, no trabalho, nos movimentos sociais, na escola, entre outros. Como nos diz Carlos Rodrigues BRANDÃO (1981:10-11):

A educação é, como outras, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. Formas de educação que produzem e praticam, para que elas reproduzam, entre todos os que ensinam-e-aprendem, o saber que atravessa as palavras da tribo, os códigos sociais de conduta, as regras do trabalho, os segredos da arte ou da religião, do artesanato ou da tecnologia que qualquer povo precisa para reinventar, todos os dias, a vida do grupo e a de cada um de seus sujeitos, através de trocas sem fim com a natureza e entre os homens, trocas que existem dentro do mundo social onde a própria educação habita, e desde onde ajuda a explicar – às vezes a ocultar –, a necessidade da existência de sua ordem.

Existem diferentes e diversas formas e modelos de educação, e a escola não é o lugar exclusivo onde ela acontece e nem o professor e a professora são os únicos responsáveis pela sua prática. Contudo, apesar de considerar essa dimensão mais ampla e mais geral do processo educativo, este artigo privilegiará a educação que acontece no interior da instituição escolar. A escola é vista, aqui, como um espaço em que aprendemos e compartilhamos não só conteúdos e saberes escolares, mas, também, valores, crenças e hábitos, assim como preconceitos raciais, de gênero, de classe e de idade.

E a identidade? Como ela pode ser vista? Jacques d’ADESKY (2001: 76) destaca que a identidade, para se constituir como realidade, pressupõe uma interação. A idéia que um indivíduo faz de si mesmo, de seu "eu", é intermediada pelo reconhecimento obtido dos outros, em decorrência de sua ação. Nenhuma identidade é construída no isolamento. Ao contrário, é negociada durante toda a vida, por meio do diálogo, parcialmente exterior, parcialmente interior, com os outros. Tanto a identidade pessoal quanto a identidade socialmente derivada são formadas em diálogo aberto e dependem, de maneira vital, das relações dialógicas estabelecidas com os outros. Esse é um movimento pelo qual passa todo e qualquer processo identitário e, por isso, diz respeito, também, à construção da identidade negra.

É nesse sentido que entendo a identidade negra como uma construção social, histórica e cultural repleta de densidade, de conflitos e de diálogos. Ela implica a construção do olhar de um grupo étnico/racial ou de sujeitos que pertencem a um mesmo grupo étnico/racial sobre si mesmos, a partir da relação com o outro. Um olhar que, quando confrontado com o do outro, volta-se sobre si mesmo, pois só o outro interpela nossa própria identidade.

A identidade negra é também uma construção política. Por isso, ela não pode ser vista de forma idealizada ou romantizada. O que isso significa? Significa que, no contexto das relações de poder e dominação vividas historicamente pelos negros, no Brasil e na diáspora, a construção de elos simbólicos vinculados à uma matriz cultural africana tornou-se um imperativo na trajetória de vida e política dos(as) negros(as) brasileiros(as). Ser negro e afirmar-se negro, no Brasil, não se limita à cor da pele. É uma postura política. É importante que os educadores e as educadoras negros(as) e brancos(as) compreendam a radicalidade desse processo.

Enquanto dois processos densos, construídos pelos sujeitos sociais, no decorrer da história, nas relações sociais e culturais, a educação e a identidade negra estão imersas na articulação entre o individual e o social, entre o passado e o presente, e são incorporadas, ao mesmo tempo em que incorporam, à dinâmica do particular e do universal.

Nessa perspectiva, quando pensamos a escola como um espaço específico de formação inserida num processo educativo bem mais amplo, encontramos mais do que currículos, disciplinas escolares, regimentos, provas, testes e conteúdos. Deparamo-nos com diferentes olhares que se cruzam, que se chocam e que se encontram. A escola pode ser considerada, então, como um dos espaços que interferem na construção da identidade negra. O olhar lançado sobre o negro e sua cultura, no interior da escola, tanto pode valorizar identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá-las, segregá-las e até mesmo negá-las.

Sendo entendida como um processo contínuo, construído pelos negros e negras nos vários espaços - institucionais ou não - nos quais circulam, podemos concluir que a identidade negra é forjada também durante a trajetória escolar desses sujeitos. Nesse percurso, o negro e a negra deparam-se, na escola, com diferentes olhares sobre o seu pertencimento racial, sobre a sua cultura e a sua história. Muitas vezes, esses olhares chocam-se com a sua própria visão e experiência da negritude. Estamos no complexo campo das identidades e das alteridades, das semelhanças e diferenças e, sobretudo, das diversas maneiras como estas são tratadas.

No processo educativo, a diferença coloca-se cada vez mais de maneira preponderante, pois a simples existência do outro aponta para o fato de que não somente as semelhanças podem ser consideradas como pontos comuns entre os humanos. A diferença é, pois, um importante componente do nosso processo de humanização. O fato de sermos diferentes, enquanto seres humanos e sujeitos sociais, talvez seja uma das nossas maiores semelhanças.

Mas é importante lembrar que a identidade construída pelo negro dá-se não só por oposição ao branco, mas, também, pela negociação, pelo conflito e pelo diálogo com este. As diferenças implicam processos de aproximação e distanciamento. Nesse jogo complexo, vamos aprendendo, aos poucos, que a diferença estabelece os contornos da nossa identidade.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Estivemos na Uninter...

Estivemos em Formação Continuada no Grupo Uninter esta semana, onde discutimos a questão das Africanidades e a Lei 10.639/03 com as alunas do Curso de Pedagogia e a Coordenação do Curso as professoras Kátia e Cláudia.
Naquele momento salientamos a importância do processo de reconstrução da identidade racial do negro como formador da sociedade brasileira.Afirmamos a importância de estudos sistemáticos sobre o tema em questão!!!
Agradecemos o convite e nos colocamos à disposição para posteriores esclarecimentos...

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA

Diversidade negra

A cultura negra é uma cultura inter-racial formada pela contribuição de inúmeros grupos ditos negros, brancos, mestiços e os índios.

Manter vivas essas manifestações culturais negras é uma necessidade fundamental de fortalecimento de sua identidade étnica como elemento de resistência ao domínio branco.

Há, ainda, outras formas de manifestações das culturas negras como o sincretismo que - na perspectiva em que adotamos - significa não apenas a incorporação do referencial religioso dos negros à religião dominante, mas, além disso, uma forma muito discreta de esconder e cultuar seus deuses e orixás. Outro exemplo são as pinturas e esculturas, que cumprem fielmente o objetivo mais amplo da arte: comunicar conceitos e símbolos e, a música, que deu origem ao samba, pagode, além de estar presente em diversos ritmos da música popular brasileira.

Consciência negra

Há mais de 300 anos depois, as comunidades negras e quilombos são exemplos de resistência cultural e social do povo negro em meio ao conjunto da sociedade brasileira ainda injusta e discriminadora.

Com base em uma entrevista com a pedagoga Dionária da S. Santos de Jequié (BA) cedida pelo jornal Mundo Jovem, percebe-se que a intervenção de pensadores negros tem conseguido ampliar o nível de consciência negra. Isso se deve, principalmente, ao fato de que as pessoas estão começando a se aceitar e à sua própria identidade.


Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12161/1/A-Historia-e-Cultura-Afro-Brasileira-e-a-Lei-1063963/pagina1.html#ixzz118KC79R1

BREVE RESUMO DA LEI 10.639/03

Ensinar História e Cultura Afro-brasileiras e africanas não é mais uma questão de vontade pessoal e de interesse particular. É uma questão curricular de caráter obrigatório que envolve as diferentes comunidades: escolar, familiar, e sociedade. O objetivo principal para inserção da Lei é o de divulgar e produzir conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de interagir objetivos comuns que garantam respeito aos direitos legais e valorização de identidade cultural brasileira e africana, como outras que direta ou indiretamente contribuíram ( contribuem) para a formação da identidade cultural brasileira.

A lei 10639/03 visa fazer um resgate histórico para que as pessoas negras afro-brasileiras conheçam um pouco mais o Brasil e melhor a sua própria história.

Desse modo, prevê ainda trabalhar o conhecimento da historia e cultura da África a partir do processo de escravidão, bem como conceitos sócio-político-históricos baseados no estudo da mesma como produtora de temáticas diversas: filosofia, medicina, matemática, dentre outras.

Contudo, na tentativa de amenizar os preconceitos em sala de aula propõe-se que não sejam abordados nas escolas certos temas como: raça, racismo, etnia, etnocentrismo, discriminação racial, etc.

Implementação da lei

Conforme Adami (2007) em março de 2005 foram apresentados alguns pontos relacionados à implementação efetiva da lei, tais como: formação de professores e de outros profissionais da educação.

Entretanto, os professores, que em sua formação também não receberam preparo especial para o ensino da cultura africana e suas reais influências para a formação da identidade do nosso país, entram em conflito quanto à melhor maneira de trabalhar essa temática na escola. Nesse sentido, este ponto pode ser um dos obstáculos estabelecidos com a lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, visto que a mesma não disciplina nem menciona em nenhum de seus artigos cursos de capacitação voltados à preparação de professores na área.

Além disso, discute-se ainda a reestruturação das bases pedagógicas num movimento de resgate histórico, ressaltando os conceitos trabalhados em sala de aula e a base teórica empregada. Por este motivo, incluir-se-ia no rol de conteúdos e em atividades curriculares dos cursos de educação das relações étnico-raciais conhecimentos de matriz africana que diz respeito à população africana.


Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12161/1/A-Historia-e-Cultura-Afro-Brasileira-e-a-Lei-1063963/pagina1.html#ixzz118JZuoeX

Estudar este tema é sempre necessário...

A história e cultura afro brasileira e a lei 10.639/03: desmitificando a inferioridade racial brasileira

O histórico cultural do país marca uma trajetória de grandes realizações e concepções, com referências entre diferentes vertentes culturais entre negros, brancos, índios, asiáticos e outros que dão jus ao conceito de miscigenação. Segundo dados do MEC, o Brasil está em segundo lugar no que diz respeito a grandes populações afro-descendentes (47%), perdendo apenas para a Nigéria.
Pode-se dizer que a África é um continente economicamente e culturalmente rico, pois apresenta uma diversidade de riquezas minerais, como petróleo e pedras preciosas. Seus habitantes, ao contrário do outros pensam, são inteligentes, criativos e trabalhadores, porém com a colonização, as terras africanas foram dominadas e perderam cerca de 60 milhões de habitantes devido o tráfico negreiro escravo.
Vários grupos pertencentes à mesma tribo com dialetos e costumes comuns foram separados, gerando um violento processo de segregação racial, na qual o africano tornou-se inferior em sua própria pátria.
Porém, vários questionamentos deram vazão a uma série de críticas no que envolve o ensino da história afro. Por que o ensino da cultura afro-brasileira especificamente? E os outros povos que contribuíram para a formação da identidade nacional?
Dessa forma, pretende-se com essa pesquisa científica, promover uma reflexão a cerca da problemática que envolve a obrigatoriedade no ensino da cultura afro brasileira no Ensino Fundamental e Médio alterando, assim a lei 9394 de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Ressaltar-se-à, portanto, no referido trabalho uma questão de fundamental importância para o fortalecimento de identidades éticas afro-brasileiras, destacando, dentre as principais temáticas o aspecto legal que gira em torno da obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira.
* Por Leidiane Santos
* Publicado 4/12/2008


Fonte: http://www.webartigos.com/articles/12161/1/A-Historia-e-Cultura-Afro-Brasileira-e-a-Lei-1063963/pagina1.html#ixzz118GvkqRX

terça-feira, 28 de setembro de 2010

A cor da cultura

Na última semana estivemos em formação no projeto A COR DA CULTURA,onde discutimos a implementação da lei 10639/03, no espaço da escola.As discussões foram pertinentes e acresceram significativamente o nosso processo de formação...Damos os parabéns aos organizadores do evento mas em especial as multiplicadoras Ana Lucia e Lucilene, ambas contribuiram na discussão sobre a emancipação racial com suas contribuições pedagógicas...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Essa discussão é necessária ...

"Inserção da Cultura Afrodescendente no Currículo Escolar - Abordagens e Perspectivas de um Processo Duradouro"


Ao longo da História do Brasil, discriminação, racismo e preconceito sempre fizeram parte do cotidiano da vida da população afrodescendente, refletindo-se ainda mais na vida de mulheres, homens e crianças prodigiosamente desprestigiados social e economicamente, situação que, considerando mais de 500 anos de existência, pouco se alterou. Em 1854 o decreto nº 1.331 legitimou a não admissão de escravos nas escolas públicas, mais adiante, em 1878 o decreto nº 7.031-A determinou que os negros só poderiam estudar a noite e ainda assim, vários mecanismos foram desenvolvidos afim de, dificultar tal oportunidade de educação, se é que podemos chamar de oportunidade. Estabelecia-se, desde então, um divisor étnico-racial que se enraizou nos sistemas escolares e daí se dissipou para toda a sociedade brasileira. Muitos anos depois busca-se alterar este quadro, a partir do mesmo veículo- a Educação, mas, infelizmente, pode-se afirmar que o processo de desqualificação de um sistema tão arraigado de preconceitos e armado sobre os dormentes da segregação será uma luta difícil, longa e dolorosa.

Desde sempre a desqualificação de um em favor da afirmação de outro esteve presente nas relações étnico-raciais. A propósito, Borges (2002) afirma que ainda na Antiguidade Heródoto (século V a.C.) escrevia textos sobre os não-gregos, chamando-os de bárbaros, baseando essa denominação na superioridadedos gregos e na inferioridade dos estrangeiros, determinando a superioridade de sua cultura como justificativa das relações de dominação política, militar, econômica e cultural a qual foram submetidos os povos estrangeiros conquistados pela Grécia. Já na Europa do século XV, a dominação de africanos foi justificada pela culpa do pecado original dos descendentes de Cam. Não por acaso, Borges (2002) ainda coloca que, pelo ideologismo português das raças infectas (índios, negros, judeus e mouros), a história da colonização brasileira é marcada pela diferença entre homens, moldada desde o início por concepções racistas de superioridade e inferioridade.

A discussão sobre a invenção e a intenção de raça foi abordada por Kenski (2003), fazendo citação ao botânico sueco Carolus Linnaeus que criou a humanidade Homo sapiens e a dividiu em quatro grupos: os vermelhos americanos, geniosos, despreocupados e livres; os amarelos asiáticos, severos e ambiciosos; os negros africanos, ardilosos e irrefletidos e os brancos europeus, evidentemente, ativos, inteligentes e engenhosos, este procedimento, possivelmente, abril as discussões sobre a existência de raças humanas e o valor de cada uma delas, utilizando o termo RAÇA com suposta legitimidade científica, fator que, no mundo moderno, foi alterado pelo significado social do termo, posto de sua inexistência científica. Ainda assim, a teoria cientificista de Linnaeus encontrou muitos adeptos séculos afora, um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau, que quase 100 anos depois de Linnaeus, coloca Kenski (2003), concluiu que a miscigenação causa a decadência dos povos e que os alemães eram uma raça superior às outras, contrariando amplamente o juízosocial e antropológico criado por cientistas sérios de que a miscigenação conduz a sociedade a ummaior potencial de desenvolvimento em virtude da associação cultural e genética.

A realidade brasileira de crença e absorção da divisão da sociedade em raças é um fato consumado que contrariao discurso nacional da democracia racial, isto porque, os brasileiros não só acreditam nas raças como também agem em consonância com elas, fundamentando preconceito, discriminação e segregação, ao passo que "o resultado da crença de que não temos racismo foi, de acordo com muitos cientistas, um dos piores tipos de racismo que se conhece. A forma mais eficiente de reforçar o preconceito é achar que ele não existe, que é natural" (KENSKI, 2003 p.49).

Para Borges (2002), o fato é que a sociedade brasileira encontra-se marcada pela exclusão social e pela discriminação racial. Essa situação reflete a existência de um racismo efetivo, com repercussões negativas na vida cotidiana da população negra, principalmente quando cidadania é o tema em questão.

De acordo com o Relatório do Conselho Nacional de Educação quando da aprovação das Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente poderão romper o sistema que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de prestígio e privilégios para uns em detrimento do desprestígio de muitos.

Chiavenato (1999), acerca da culturalização da teoria de inferioridade de indivíduos negros, faz citação à publicação no Caderno de Folclore, nº 7 do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em que publicou-se: " a entrada do negro no Brasil foi simultânea com a descoberta do país. Ele conhecia a escravidão, cultiva-a, e praticava-a como um sistema político. A escravidão era praticada na própria África. Os próprios africanos transplantaram-na para a América". Neste discurso, a responsabilidade pela escravidão é transferida para os negros, livrando nossas elites de qualquer responsabilidade ou prática racista e preconceituosa contra os povos que denominavam de mouros. Aqui já se evidencia que para que o processo educacional alcance os objetivos das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, é fundamental que o sistema de ensinotenha discernimento, quanto à importância de se coibir a dissipação de teorias que deturpam a realidade e negam aos afrodescendentesqualquer direito de reivindicação por reparações, sendo, importantíssima a construção de uma identidade nacional pautada na coexistência de diferentes culturas que propiciem o Relacionamento Étnico-Racial e Intercultural sem desníveis ou lacunas que ultrapassem o campo ideológico.

Em razão da Educação para as Relações Étnico-Raciais, Inocêncio da Silva (2001) celebra a diferença afirmando que o reconhecimento da importância de uma educação pluricultural, pluriracial e não-eurocênctrica constitui-se em um dos pilares de uma sociedade brasileira verdadeiramente democrática.

De acordo com Trevisan (1988) toda sociedade que está marcada por desigualdades muito visíveis, mantidas por certa violência, precisa sempre escolher alguém- individualizado ou em grupo- como inimigo, a quem se deve ofender quando possível, a quem deve temer quando inferiorizado, e a quem se deve humilhar sempre, principalmente utilizando a marca do plural. É, justamente, em contraposição a esse comportamento ideológico-social que, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), se entende que para promover a reeducação das relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros e, então, decidir que sociedade queremos construir. Assim sendo, ainda pelas Diretrizes (2004) a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual e equânime.

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações devem ser elaboradas com o objetivo de fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Para Borges (2002) a própria noção de identidade de uma cultura se dá por meio da consciência de suas diferenças em relação às outras culturas, sem que, para tanto, se criem juízos de valor que desqualifique uma em detrimento de outra .

As afirmações de Oliveira (2003) confirmam que tem sido difícil introduzir o tema afro na esfera das políticas públicas e jurídicas. Foi necessário que se abrissem espaços de discussão contra impérios conceituais que apagam nossas realidades com as concepções de que todos somos mestiços e, portanto, somos iguais, concluindo assim que vivemos em uma democracia racial, nada mais conveniente quando se pretende manter um padrão de hierarquização social e racial orientado na acentuação da pejoratividade das diferenças. Para alterar os paradigmas construídos por tais impérios conceituais, Oliveira (2003) defende a idéia de que precisamos garantir a vez e a voz dos marginalizados da cultura dominante, aprendendo a compreender a diferença e a diversidade como fator de acréscimo e não de exclusão. Portanto, se a escola se pretende democrática, não deve homogeneizar saberes e crenças, muito menos impor um padrão cultural sem tentar perceber nuances culturais e étnicos de todos os participantes do processo educacional.

Referencias

·BORGES, Edson, et al..Racismo, preconceito e intolerância.. São Paulo: Atual, 2002;

·CHAIB, Lídia. Ogum, o rei de muitas faces e outras histórias dos orixás.São Paulo: Cia das Letras, 2000;

·CHIAVENATO, José Júlio. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999;

·DEL PRIORE, Mary e VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Ancestrais: uma introdução à História da África Atlântica;

·GENOVESE, Eugene Dominick. Da Rebelião à Revolução: as revoltas de escravos negros nas Américas.São Paulo: Global, 1983;

·INOCÊNCIO da SILVA, Nelson Fernando. Consciência negra em cartaz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001;

·KENSKI, Rafael. Vencendo na Raça. In: Revista Superinteressante, edição 187, p. 42-50. São Paulo: Abril, 2003;

·MARQUES, Adhemar, et al.. História do Tempo Presente. São Paulo: Contexto, 2003;

·MEC/SEPPIR. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racias e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Seppir/MEC, 2004;

·MJ/SEDH/DPDH. Discriminação- crimes por raça e cor. Brasília: MJ, 2001;

·NEVES, MARIA DE Fátima Rodrigues das (org.). documentos sobre a escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006;

·OLIVEIRA,Iolanda (org.). Relações raciais e educação: novos desafios. Rio de Janeiro: DP&A, 2003;

·SENADO FEDERAL(Sebastião Rocha). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: SEEP,2000;

·TREVISAN, Leonardo. Abolição: um suave jogo político. São Paulo: Moderna, 1988.

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
Relações Étnico-Raciais No Brasil publicado 14/10/2008 por Glauciela Sobrinho Cunha Pantoja Ferreira em http://www.webartigos.com









Fonte: http://www.webartigos.com/articles/10132/1/Relacoes-Etnico-Raciais-No-Brasil/pagina1.html#ixzz0zhuhFAvi

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Todo o esforço para combater o racismo é necessário !!!

Ajude a Construir!
Educação das Relações Étnicos-Raciais

O sucesso das políticas públicas do Estado brasileiro, institucionais e pedagógicas, visando reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros, depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para as aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como os seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nessas relações não se limitam à escola.

É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século 18 e, hoje, sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com freqüência, nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas — como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras — influenciam, interferem e, até mesmo, determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.

Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro, que, em várias situações, utiliza-o com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também, explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas relações tensas, devidas a diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos, são também devidas à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origens indígena, européia e asiática.

Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste, em nosso país, um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes européias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana e a asiática.

Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de terem julgados negativamente seu comportamento, suas idéias e suas intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo.

Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários ou semoventes, também é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, têm sido desprezados e massacrados.


"A presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira
ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido
suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas".

Para reeducar as relações étnico-raciais no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e os medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E, então, decidir que sociedade queremos construir daqui para frente.

Como salientou Frantz Fanon¹, os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm, eles, as responsabilidades moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem — os negros —, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não fossem por essas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o trabalho escravo possibilitou ao País.

Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças: um projeto conjunto para a construção de uma sociedade justa, igual, equânime.

Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e as discriminações correntes na sociedade perpassam por ali.

Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e na emancipação dos grupos discriminados ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, aos registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais e aos conhecimentos avançados, indispensáveis para a consolidação e o concerto das nações como espaços democráticos e igualitários.

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm de desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando as relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isso não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de serem inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhes são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas.

Diálogo com estudiosos que analisam, criticam essas realidades e fazem propostas, bem como com grupos do Movimento Negro presentes em diferentes regiões e estados, assim como em inúmeras cidades, é imprescindível para que se vençam as discrepâncias entre o que se sabe e a realidade, se compreendam as concepções e ações uns dos outros e se elabore um projeto comum de combate ao racismo e a discriminações.

Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar. É claro que há experiências de professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar.

Para empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns equívocos. Um deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar ou não seus alunos negros como negros ou como pretos sem ofensas.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro, no Brasil, não se limita às características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define. Em segundo lugar, cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao lado dos outros — branco, pardo, indígena —, a cor da população brasileira.

É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país. Processo esse marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos. Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus, em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se designem negros; que outros, com traços físicos africanos, se digam brancos. É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar, pejorativamente, os escravizados, e esse sentido negativo da palavra se estende até hoje. Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse termo, dando-lhe um sentido político positivo. Lembremos os motes muito utilizados no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980 e 1990: Negro é lindo!, Negra, cor da raça brasileira!, Negro que te quero negro!, 100% negro!, Não deixe sua cor passar em branco!. Este último foi utilizado na campanha do censo de 1990.

Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si, que são racistas também. Essa constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento que divulga a idéia e o sentimento de que as pessoas brancas seriam mais humanas, teriam inteligência superior e, por isso, teriam o direito de comandar e de dizer o que é bom para todos. Cabe lembrar que, na pós-abolição, foram formuladas políticas que visavam o branqueamento da população pela eliminação simbólica e material da presença dos negros. Nesse sentido, é possível que pessoas negras sejam influenciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual são vítimas. O racismo imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos que os discriminam.

Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema, e não à escola. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, sua crença religiosa ou sua posição política. O racismo, segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, é crime inafiançável, e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive à escola.

Outro ponto de vista equivocado a esclarecer é o de que o racismo, o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e constituintes da formação histórica e social brasileira, estes estão arraigados no imaginário social e atingem negros, brancos e outros grupos étnico-raciais. As formas, os níveis e os resultados desses processos incidem de maneira diferente sobre os diversos sujeitos e interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social. Por isso, a construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é uma tarefa de todos os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial.

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas para promover a educação das relações étnico-raciais positivas têm como objetivo fortalecer, entre os negros, e despertar, entre os brancos, a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da educação brasileira.

Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos — negros e não negros —, além de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade e para o exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimento e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes e palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir nos professores, para que, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo, criar estratégias pedagógicas que possam auxiliá-las e reeducá-las.

Até aqui, apresentaram-se orientações que justificam e fundamentam as determinações de caráter normativo que seguem.

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA DETERMINAÇÕES

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com essa medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e a cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da História e Cultura Afro-brasileira e Africana não se restringe à população negra. Ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática.

É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia para um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nessa perspectiva, cabe às escolas incluir, no contexto dos estudos, atividades que abordem diariamente as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raízes africana e européia. É preciso ter clareza que o art. 26, acrescido à Lei nº 9.394/1996, provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos; exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas.

A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exigido pelo art. 26 da Lei nº 9.394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir, nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. Caberá, aos sistemas de ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá aos administradores dos sistemas de ensino e das entidades mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.

Em outras palavras, aos estabelecimentos de ensino, está sendo atribuída a responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar, para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os continuados atos de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir essas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde esta se encontra e a que serve; implica compromisso com a formação de cidadãos atuantes e democráticos — capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações com base em diferentes perspectivas; de atuarem em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes níveis de formação.

O Brasil, país multiétnico e pluricultural. Precisa de organizações escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem serem obrigados a negar a si mesmos e aos grupos étnico-raciais a que pertencem e a adotar costumes, idéias e comportamentos que lhes são adversos. E esses, certamente, serão indicadores da qualidade da educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis.

Para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como referência — entre outras, pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem — os princípios a seguir explicitados.

CONSCIÊNCIA POLÍTICA E HISTÓRICA DA DIVERSIDADE

Este princípio deve conduzir:

* À igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos.

* À compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas, e que, em conjunto, constroem, na nação brasileira, sua história.

* Ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e cultural do País.

* À superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e também as classes populares, às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados.

* À desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos, idéias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal fazem a negros e brancos.

* À busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a análise das relações étnico-raciais e sociais com o estudo de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, de informações e subsídios que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas.

* Ao diálogo, fundamental para o entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações, tendo em vista objetivos comuns, visando uma sociedade justa.

FORTALECIMENTO DE IDENTIDADES E DE DIREITOS

O princípio deve orientar para:

* O desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida.

* O rompimento com as imagens negativas, forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros e os povos indígenas.

* Os esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal.

* O combate à privação e à violação de direitos.

* A ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das identidades, provocada por relações étnico-raciais.

* As excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e na modalidade de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais.

AÇÕES EDUCATIVAS DE COMBATE AO RACISMO E A DISCRIMINAÇÕES

O princípio encaminha para:

* A conexão dos objetivos, das estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade.

* A crítica, pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações dos negros e de outras minorias nos textos, nos materiais didáticos, bem como as providências para corrigi-las.

* As condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos e contestações, valorizando os contrastes das diferenças.

* A valorização da oralidade, da corporeidade e da arte — por exemplo, a dança —, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura.

* Educação patrimonial, aprendizado com base no patrimônio cultural afro-brasileiro, visando preservá-lo e difundi-lo.

* O cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais e étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais.

* A participação de grupos do Movimento Negro e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.

Esses princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições culturais. É nesse sentido que se fazem as seguintes determinações:

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e a valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros; a garantia de seus direitos de cidadãos; e o reconhecimento e a igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que se explicitem, busquem compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; promovam-se oportunidades de Diálogo em que se conheçam, se ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, a defender sua especificidade étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; sejam incentivadas atividades em que pessoas — estudantes, professores, servidores, integrantes da comunidade externa aos estabelecimentos de ensino — de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, as visões de mundo, os raciocínios e os pensamentos de cada um.

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e a educação das relações étnico-raciais, tal como explicita o presente parecer, serão desenvolvidas no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de Ciências e de Informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares.

* O ensino de História Afro-brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras — incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos — que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade.

* Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira na pós-abolição e de divulgação dos significados da Lei Áurea para os negros. No 20 de novembro, será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente neste parecer. Entre outras datas de significado histórico e político, deverá ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

* A História da África, tratada em perspectiva positiva, e não só de denúncia da miséria e das discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes, será feita articuladamente com a história dos afro-descendentes no Brasil, e serão abordados temas relativos ao papel dos anciãos e dos griots como guardiães da memória histórica; à história da ancestralidade e religiosidade africana; aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbábue; ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico; à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; às lutas pela independência política dos países africanos; às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; às relações entre as culturas e as histórias da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África; à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, no Caribe, na Europa, na Ásia; aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre a África, o Brasil e outros países da diáspora.

* O ensino de Cultura Afro-brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar, manifestado tanto no dia-a-dia quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.

* O ensino de Cultura Africana abrangerá: as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; as universidades africanas Timbuktu, Gao e Djene, que floresceram no século 16; as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) e política na atualidade.

* O ensino de História e de Cultura Afro-brasileira se fará por diferentes meios, inclusive pela realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e ao estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da História do Brasil; na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística e de luta social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros).

* O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive pela realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e ao estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: Rainha Nzinga, Toussaint L’Ouverture, Martin Luther King, Malcolm X, Marcus Garvey, Aimé Césaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubira).

Para tanto, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior, precisarão providenciar:

* Registro da história não contada dos negros brasileiros, por meio de remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais.

* Apoio sistemático aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e métodos de ensino, cujo foco seja a História e Cultura Afro-brasileira e Africana e a Educação das Relações Étnico-raciais.

* Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, estabelecimentos de Ensino Superior e secretarias de educação, assim como levantamento das principais dúvidas e dificuldades dos professores em relação ao trabalho com a questão racial na escola e encaminhamento de medidas para resolvê-las, feitos pela administração dos sistemas de ensino e por Núcleos de Estudos Afro-brasileiros.

* Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de Ensino Superior, centros de pesquisa, Núcleos de Estudos Afrobrasileiros, escolas, comunidade e movimentos sociais, visando a formação de professores para a diversidade étnico-racial.

* Instalação, nos diferentes sistemas de ensino, de grupo de trabalho para discutir e coordenar planejamento e execução da formação de professores para atender ao disposto neste parecer quanto à Educação das Relações Étnico-raciais e ao determinado nos art. 26 e 26A da Lei nº 9.394/1996, com o apoio do Sistema Nacional de Formação Continuada e Certificação de Professores do MEC.

* Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação: de análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino–aprendizagem da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos.

* Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de licenciatura — para Educação Infantil, anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média e Educação de Jovens e Adultos — como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior.

* Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da anemia falciforme e da problemática da pressão alta; em Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afro-descendentes da atualidade.

* Inclusão, nos programas de concursos públicos para admissão de professores, de bibliografia relativa à História e Cultura Afro-brasileira e Africana, às relações étnico-raciais, aos problemas desencadeados pelo racismo e por outras discriminações e à pedagogia antiracista. Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis — estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino —, de objetivos explícitos, assim como de procedimentos para sua consecução, visando o combate do racismo e das discriminações e ao reconhecimento, à valorização e ao respeito das histórias e culturas afro-brasileira e africana.

* Previsão, nos fins, nas responsabilidades e nas tarefas dos conselhos escolares e de outros órgãos colegiados, do exame e encaminhamento de solução para situações de racismo e de discriminações, buscando-se criar situações educativas em que as vítimas recebam apoio requerido para superar o sofrimento; os agressores, orientação para que compreendam a dimensão do que praticaram; e ambos, educação para o reconhecimento, a valorização e o respeito mútuos.

* Inclusão de personagens negros, assim como de outros grupos étnico-raciais, em cartazes e outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de manifestações culturais próprias, ainda que não exclusivas, de um determinado grupo étnico-racial.

* Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas, museus, exposições, onde se divulguem valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos étnico-raciais brasileiros, particularmente dos afrodescendentes.

* Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, de fontes de conhecimentos de origem africana, a fim de se selecionarem conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens.

* Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira.

* Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população negra, com vistas à formulação de políticas públicas de Estado, comunitárias e institucionais.

* Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer — em cumprimento ao disposto no art. 26A da LDB — e, para tanto, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afro-descendentes, sob o incentivo e a supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC —

* Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE).

* Divulgação, por sistemas de ensino e entidades mantenedoras, com o apoio dos Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros, de uma bibliografia afro-brasileira e de outros materiais — como mapas da diáspora, da África e de quilombos brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução de obras de arte afro-brasileira e africana —, a serem distribuídos nas escolas da rede, com vistas à formação de professores e alunos para o combate à discriminação e ao racismo.

* Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de quilombos, contando, as escolas, com professores e pessoal administrativo que se disponham a conhecer física e culturalmente a comunidade e a formar-se para trabalhar com suas especificidades.

* Garantia, por sistemas de ensino e entidades mantenedoras, de condições humanas, materiais e financeiras para execução de projetos com o objetivo de Educação das Relações Étnico-raciais e estudo de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, assim como organização de serviços e atividades que controlem, avaliem e redimensionem sua consecução, que exerçam fiscalização das políticas adotadas e providenciem correção de distorções.

* Realização, pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, de atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e das dificuldades do ensino e da aprendizagem de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-raciais, assim como comunicação detalhada dos resultados obtidos, encaminhada ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, quando for o caso.

* Adequação dos mecanismos de avaliação das condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensino, tanto da educação básica quanto superior, ao disposto neste parecer, inclusive com a inclusão, nos formulários preenchidos pelas comissões de avaliação — nos itens relativos a currículo, atendimento aos alunos, projeto pedagógico e plano institucional —, de quesitos que contemplem as orientações e exigências aqui formuladas.

* Disponibilização deste parecer, na sua íntegra, para os professores de todos os níveis de ensino, responsáveis pelo ensino de diferentes disciplinas e atividades educacionais, assim como para outros profissionais interessados, a fim de que possam estudar, interpretar as orientações e enriquecê-las, executar as determinações aqui feitas e avaliar seu próprio trabalho e os resultados obtidos por seus alunos, considerando princípios e critérios apontados.

OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRAS, EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E OS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO

Diretrizes são dimensões normativas, reguladoras de caminhos, embora não fechadas a que, historicamente, possam, com base nas determinações iniciais, tomar novos rumos. Diretrizes não visam desencadear ações uniformes, todavia objetivam oferecer referências e critérios para que se implantem ações, as avaliem e reformulem no que e quando necessário.

Essas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, na medida em que procedem de ditames constitucionais e de marcos legais nacionais e do resgate de uma comunidade que povoou e construiu a nação brasileira, atingem o âmago do pacto federativo. Nessa medida, cabe aos Conselhos de Educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios aclimatar tais diretrizes, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos, a seus respectivos sistemas, dando ênfase à importância de os planejamentos valorizarem, sem omitir outras regiões, a participação dos afro-descendentes, do período escravista aos nossos dias, na sociedade, economia, política, cultura da região e da localidade, definindo medidas urgentes para a formação de professores, incentivando o desenvolvimento de pesquisas, bem como envolvimento comunitário.

A esses órgãos normativos cabe, pois, a tarefa de adequar o proposto neste parecer à realidade de cada sistema de ensino. E, a partir daí, deverá ser competência dos órgãos executores — administrações de cada sistema de ensino, das escolas — definir estratégias que, quando postas em ação, viabilizarão o cumprimento efetivo da Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a formação básica comum, o respeito aos valores culturais, como princípios constitucionais da educação tanto quanto da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º), garantindo-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos (inciso IV do art. 3º), a prevalência dos direitos humanos (inciso II do art. 4º) e o repúdio ao racismo (inciso VIII do art. 4º).

Cumprir a lei é, pois, responsabilidade de todos, e não apenas do professor em sala de aula. Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-se como ponto de partida o presente parecer, que, junto com outras diretrizes, pareceres e resoluções, tem o papel articulador e coordenador da organização da educação nacional.
¹ FRANTZ, Fanon. Os condenados da terra. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Censo 2010: Sou negro e sou de Axé!

No próximo mês de agosto, a população brasileira dos 5.565 municípios estará recebendo recenseadores e recenseadoras para o levantamento demográfico que desde o primeiro censo, em 1872, com 643(1) municípios, se mostrou como importante fonte de dados.

Sabemos do valor das informações coletadas para acompanhar o crescimento, a distribuição geográfica e a evolução das características da população e como elementos importantes para definição de políticas públicas em nível nacional, estadual e municipal, bem como para a tomada de decisões na iniciativa privada, incluindo, atualmente (para algumas), as ações de responsabilidade social.

Foi no censo de 1872 que, pela primeira vez, o conjunto da população era compreendido oficialmente em termos raciais, base para o estabelecimento de novas diferenças entre os grupos sociais. Diferenças ainda longe das concepções hierarquizantes e poligenistas que se acercariam da noção de raça, anos mais tarde.

Naquele momento, tratava-se de conhecer uma população de ex-escravizados que começava a exceder cada vez mais o número dos ainda escravizados. E esta diferença era possível na medida em que a instituição escravista tinha perdido a legitimidade devido à ação de grupos abolicionistas ou mesmo por meio das consequências da abolição do tráfico (1850) ou das leis posteriores que prometiam, apesar de gradual, a abolição da escravidão: a lei do ventre livre (1871), depois a lei dos sexagenários (1885), seguida da proibição dos açoites (1886) (2).

É muito importante anotar que a noção de “cor”, herdada do período colonial, não designava, preferencialmente, matrizes de pigmentação ou níveis diferentes de mestiçagem, mas buscava definir lugares sociais, nos quais etnia e condição social estavam indissociavelmente ligadas. (3)

O novo Movimento Negro, surgido nos anos 1970, enfrentou a falácia da “democracia racial” entendendo que a o quesito “cor” era determinante do lugar social da população negra. Esse conhecimento, sustentado por militantes e pensadores na área das ciências humanas e sociais (incluindo a economia e a estatística), levou a uma campanha, em nível nacional, para o censo de 1991: “Não deixe sua cor passar em branco”.

Se fizermos uma breve retrospectiva do quesito “raça” / “cor” nos censos do País, não é difícil compreender a necessidade dessa campanha por parte do Movimento Negro:

1 - o quesito “raça” foi pesquisado nos censos de 1872 e de 1890;
2 - foi suprimido em 1900 e 1920;
3 - o quesito retorna em 1940, sob o rótulo de “cor”;
4 - em 1970, o questionário não contemplou o quesito “cor”;
5 - em 1980, o quesito volta a aparecer;
6 - em 1991 o quesito “cor” está presente, incorporando a (nova) categoria “indígenas e amarelos”;
7 - o censo de 2000 admitiu “raça e cor” como sinônimos, compondo uma única categoria (“cor ou raça”). (4)


A força da campanha do Movimento Negro tinha ainda maior razão! Além da invisibilidade da população negra, pela falácia da “democracia racial”, o quesito “cor”, respondido apenas no Questionário Amostra, tangenciava uma população já impregnada pelo não lugar do ser negro, colocado sempre no lugar de 2ª classe!

“Não deixe sua cor passar em branco!” cobriu o censo de 1991 e foi reprisada no censo de 2000, com o objetivo de sensibilizar os negros e seus descendentes para assumirem sua identidade histórica insistentemente negada; ao mesmo tempo em que era um alerta para a manipulação da identidade étnico-racial dos negros brasileiros em virtude de uma miscigenação que se constitui num instrumento eficaz de embranquecimento do país por meio da instituição de uma hierarquia cromática e de fenótipos que têm na base o negro retinto e no topo o ‘‘branco da terra'', oferecendo aos intermediários o benefício simbólico de estarem mais próximos do ideal humano, o branco. (5)

Apesar de, neste novo censo de 2010, o quesito “cor ou raça” sair do Questionário da Amostra e passar a ser investigado também no Questionário Básico, cobrindo toda a população recenseada (6), ainda há um longo caminho da superação do racismo para que todos e todas respondam pela dignidade e pelo reforço da auto-estima de pertencerem a um grupo étnico que só tem feito contribuir eficiente e eficazmente para o desenvolvimento do País.

Ao contrário do que propõe as “assertivas” de exclusão, a identificação da população negra se faz necessária sempre e a cada vez para que se constate em números (como gosta o parâmetro científico) o racismo histórico que ainda está perpetrado sobre a população negra. Só depois que alcançarmos a liberdade de fato é que as anotações étnicas passarão a ser fatores que dizem respeito exclusivamente à cultura. Enquanto estivermos, como estamos hoje – após 122 anos da abolição da escravatura – vivendo uma abolição não conclusa, precisaremos reafirmar nossa etnia do ponto de vista político; econômico; habitacional; na área da saúde; na área da educação; nas condições de supressão da liberdade que não se dá apenas aos presidiários, mas a pais e mães que clamam por políticas para garantir que seus filhos e filhas possam crescer com dignidade e sem ameaças.

A proposta do IBGE de tirar a “fotografia” mais nítida o possível do Brasil, ainda está longe de ser alcançada!

E a luta do povo negro não termina! O racismo é tão implacável que, a cada etapa alcançada, um novo desafio se apresenta!

Para este ano, novamente o Movimento Negro está em campanha, em nível nacional! E, agora, é para que todos aqueles que são adeptos das Religiões de Matrizes Africanas respondam sem qualquer dissimulação: “Quem é de Axé diz que é!” (**)

O quesito “religião ou culto” continua no Questionário de Amostra e tem campo aberto para que o recenseador ou a recenseadora anote a “religião ou culto” declarado pelo cidadão, pela cidadã.

Tanto no quesito “cor ou raça” para todos (no Questionário Básico); quanto no quesito “religião ou culto” para alguns que responderão o Questionário Amostra, a população negra e seus descendentes estão conscientes de que suas palavras precisam ser firmes e que devem estar atentos para que a anotação seja feita sem qualquer margem de erro em relação ao que declarou.


Já se justificou essa omissão do quesito “cor” por um possível empenho do regime republicano brasileiro em apagar a memória da escravidão. Entretanto, parte da explicação pode vir do incômodo causado pela constatação de que nossa população era marcada e crescentemente mestiça, enquanto as teses explicativas do Brasil apontavam para os limites que essa realidade colocava à realização de um ideal de civilização e progresso. (7)

Não temos qualquer dúvida de que a resistência em tratar de raça-cor e em tudo o que a discussão implica – como políticas de reparações, com fundo para superação do racismo histórico – é a mesma que teremos de enfrentar no tratamento das Religiões de Matrizes Africanas. Não dissimular a declaração de adepto ou adepta das religiões de Axé, trazidas e preservadas como memória ancestral por aqueles e aquelas que resistiram à travessia e morte nos porões dos navios tumbeiros é dignificar a humanidade que por princípio e necessidade é diversa e assim deve permanecer.

A poligenia está superada! As evidências de que a humanidade surgiu no continente africano são cada vez em maior número e com rigor científico sempre mais acurado. O conceito de raça não tem o menor sentido, dizem nossos opositores, no afã de jamais ceder o lugar histórico de conforto a que estão acostumados! Enquanto não repararmos o estrago que o uso histórico do conceito fez a cidadãos e cidadãs que hoje são em mais de 50% da população, qualquer discussão conceitual será apenas a má retórica que tenta persuadir para continuar reinando.

Por isso,
Não vamos deixar nossa cor passar em branco!
E vamos dizer que somos de Axé!
“Quem é de Axé diz que é!”
_______
(1) REIS, Eustáquio; PIMENTEL, Márcia; ALVARENGA, Ana Isabel, Áreas mínimas comparáveis para os períodos intercensitários de 1872 a 2000. 2007. Disponível em . Acesso em: 07 jul. 2010

(2) CAMARGO, Alexandre de Paiva Rio. Mensuração racial e campo estatístico nos censos brasileiros (1872-1940): uma abordagem convergente. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Série Ciências Humanas. Belém, v. 4, n. 3, p. 361-385, set.- dez. 2009. Disponível em: goeldi.br/editora/bh/artigos/chv4n3_2009/mensuracao%28camargo%29.pdf>. Acesso em: 07 jul 2010.

(3) MATTOS, Hebe Maria. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista, Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998. P. 98-99, apud CAMARGO, 2009, p. 7.

(4) IBGE. Anais do II Encontro Nacional de Produtores e Usuários de Informações Sociais, Econômicas e Territoriais. Pesquisas Históricas nas Instituições Estatísticas. CDDI/IBGE. 2006, p. 10

(5) CARNEIRO, Sueli. A miscigenação racial no Brasil. Correio Braziliense. Opinião. 2000. Disponível em: org.br/sueli-carneiro/a-miscigenacao-racial-no-brasil.html>. Acesso em: 07 jul 2010.

(6) IBGE. Síntese das Etapas da Pesquisa. 2010. Disponível em: gov.br/censo2010/sintese_censo2010_portugues.pdf>. Acesso em: 07 jul 2010, p. 24.

(7) BOTELHO, Tarcisio R.. Censos e construção nacional no Brasil Imperial. Tempo Soc., São Paulo, v. 17, n. 1, June 2005 . Disponível em br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-20702005000100014&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 07 Jul. 2010. O artigo é uma versão revisada da Parte III da tese de doutorado em História Social pela USP.

(**) Iniciativa do Coletivo de Entidades Negras (CEN), com apoio irrestrito de Instituições de Religiões de Matrizes Africanas e do MN.