terça-feira, 28 de setembro de 2010

A cor da cultura

Na última semana estivemos em formação no projeto A COR DA CULTURA,onde discutimos a implementação da lei 10639/03, no espaço da escola.As discussões foram pertinentes e acresceram significativamente o nosso processo de formação...Damos os parabéns aos organizadores do evento mas em especial as multiplicadoras Ana Lucia e Lucilene, ambas contribuiram na discussão sobre a emancipação racial com suas contribuições pedagógicas...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Essa discussão é necessária ...

"Inserção da Cultura Afrodescendente no Currículo Escolar - Abordagens e Perspectivas de um Processo Duradouro"


Ao longo da História do Brasil, discriminação, racismo e preconceito sempre fizeram parte do cotidiano da vida da população afrodescendente, refletindo-se ainda mais na vida de mulheres, homens e crianças prodigiosamente desprestigiados social e economicamente, situação que, considerando mais de 500 anos de existência, pouco se alterou. Em 1854 o decreto nº 1.331 legitimou a não admissão de escravos nas escolas públicas, mais adiante, em 1878 o decreto nº 7.031-A determinou que os negros só poderiam estudar a noite e ainda assim, vários mecanismos foram desenvolvidos afim de, dificultar tal oportunidade de educação, se é que podemos chamar de oportunidade. Estabelecia-se, desde então, um divisor étnico-racial que se enraizou nos sistemas escolares e daí se dissipou para toda a sociedade brasileira. Muitos anos depois busca-se alterar este quadro, a partir do mesmo veículo- a Educação, mas, infelizmente, pode-se afirmar que o processo de desqualificação de um sistema tão arraigado de preconceitos e armado sobre os dormentes da segregação será uma luta difícil, longa e dolorosa.

Desde sempre a desqualificação de um em favor da afirmação de outro esteve presente nas relações étnico-raciais. A propósito, Borges (2002) afirma que ainda na Antiguidade Heródoto (século V a.C.) escrevia textos sobre os não-gregos, chamando-os de bárbaros, baseando essa denominação na superioridadedos gregos e na inferioridade dos estrangeiros, determinando a superioridade de sua cultura como justificativa das relações de dominação política, militar, econômica e cultural a qual foram submetidos os povos estrangeiros conquistados pela Grécia. Já na Europa do século XV, a dominação de africanos foi justificada pela culpa do pecado original dos descendentes de Cam. Não por acaso, Borges (2002) ainda coloca que, pelo ideologismo português das raças infectas (índios, negros, judeus e mouros), a história da colonização brasileira é marcada pela diferença entre homens, moldada desde o início por concepções racistas de superioridade e inferioridade.

A discussão sobre a invenção e a intenção de raça foi abordada por Kenski (2003), fazendo citação ao botânico sueco Carolus Linnaeus que criou a humanidade Homo sapiens e a dividiu em quatro grupos: os vermelhos americanos, geniosos, despreocupados e livres; os amarelos asiáticos, severos e ambiciosos; os negros africanos, ardilosos e irrefletidos e os brancos europeus, evidentemente, ativos, inteligentes e engenhosos, este procedimento, possivelmente, abril as discussões sobre a existência de raças humanas e o valor de cada uma delas, utilizando o termo RAÇA com suposta legitimidade científica, fator que, no mundo moderno, foi alterado pelo significado social do termo, posto de sua inexistência científica. Ainda assim, a teoria cientificista de Linnaeus encontrou muitos adeptos séculos afora, um deles foi o conde francês Joseph Arthur de Gobineau, que quase 100 anos depois de Linnaeus, coloca Kenski (2003), concluiu que a miscigenação causa a decadência dos povos e que os alemães eram uma raça superior às outras, contrariando amplamente o juízosocial e antropológico criado por cientistas sérios de que a miscigenação conduz a sociedade a ummaior potencial de desenvolvimento em virtude da associação cultural e genética.

A realidade brasileira de crença e absorção da divisão da sociedade em raças é um fato consumado que contrariao discurso nacional da democracia racial, isto porque, os brasileiros não só acreditam nas raças como também agem em consonância com elas, fundamentando preconceito, discriminação e segregação, ao passo que "o resultado da crença de que não temos racismo foi, de acordo com muitos cientistas, um dos piores tipos de racismo que se conhece. A forma mais eficiente de reforçar o preconceito é achar que ele não existe, que é natural" (KENSKI, 2003 p.49).

Para Borges (2002), o fato é que a sociedade brasileira encontra-se marcada pela exclusão social e pela discriminação racial. Essa situação reflete a existência de um racismo efetivo, com repercussões negativas na vida cotidiana da população negra, principalmente quando cidadania é o tema em questão.

De acordo com o Relatório do Conselho Nacional de Educação quando da aprovação das Diretrizes para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), sem a intervenção do Estado, os postos à margem, entre eles os afro-brasileiros, dificilmente poderão romper o sistema que agrava desigualdades e gera injustiça, ao reger-se por critérios de exclusão, fundados em preconceitos e manutenção de prestígio e privilégios para uns em detrimento do desprestígio de muitos.

Chiavenato (1999), acerca da culturalização da teoria de inferioridade de indivíduos negros, faz citação à publicação no Caderno de Folclore, nº 7 do Ministério da Educação e Cultura (MEC) em que publicou-se: " a entrada do negro no Brasil foi simultânea com a descoberta do país. Ele conhecia a escravidão, cultiva-a, e praticava-a como um sistema político. A escravidão era praticada na própria África. Os próprios africanos transplantaram-na para a América". Neste discurso, a responsabilidade pela escravidão é transferida para os negros, livrando nossas elites de qualquer responsabilidade ou prática racista e preconceituosa contra os povos que denominavam de mouros. Aqui já se evidencia que para que o processo educacional alcance os objetivos das Diretrizes Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais, é fundamental que o sistema de ensinotenha discernimento, quanto à importância de se coibir a dissipação de teorias que deturpam a realidade e negam aos afrodescendentesqualquer direito de reivindicação por reparações, sendo, importantíssima a construção de uma identidade nacional pautada na coexistência de diferentes culturas que propiciem o Relacionamento Étnico-Racial e Intercultural sem desníveis ou lacunas que ultrapassem o campo ideológico.

Em razão da Educação para as Relações Étnico-Raciais, Inocêncio da Silva (2001) celebra a diferença afirmando que o reconhecimento da importância de uma educação pluricultural, pluriracial e não-eurocênctrica constitui-se em um dos pilares de uma sociedade brasileira verdadeiramente democrática.

De acordo com Trevisan (1988) toda sociedade que está marcada por desigualdades muito visíveis, mantidas por certa violência, precisa sempre escolher alguém- individualizado ou em grupo- como inimigo, a quem se deve ofender quando possível, a quem deve temer quando inferiorizado, e a quem se deve humilhar sempre, principalmente utilizando a marca do plural. É, justamente, em contraposição a esse comportamento ideológico-social que, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais (2004), se entende que para promover a reeducação das relações étnico-raciais, no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade imposta a outros e, então, decidir que sociedade queremos construir. Assim sendo, ainda pelas Diretrizes (2004) a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças, projeto conjunto para construção de uma sociedade justa, igual e equânime.

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações devem ser elaboradas com o objetivo de fortalecer entre os negros e despertar entre os brancos a consciência negra. Para Borges (2002) a própria noção de identidade de uma cultura se dá por meio da consciência de suas diferenças em relação às outras culturas, sem que, para tanto, se criem juízos de valor que desqualifique uma em detrimento de outra .

As afirmações de Oliveira (2003) confirmam que tem sido difícil introduzir o tema afro na esfera das políticas públicas e jurídicas. Foi necessário que se abrissem espaços de discussão contra impérios conceituais que apagam nossas realidades com as concepções de que todos somos mestiços e, portanto, somos iguais, concluindo assim que vivemos em uma democracia racial, nada mais conveniente quando se pretende manter um padrão de hierarquização social e racial orientado na acentuação da pejoratividade das diferenças. Para alterar os paradigmas construídos por tais impérios conceituais, Oliveira (2003) defende a idéia de que precisamos garantir a vez e a voz dos marginalizados da cultura dominante, aprendendo a compreender a diferença e a diversidade como fator de acréscimo e não de exclusão. Portanto, se a escola se pretende democrática, não deve homogeneizar saberes e crenças, muito menos impor um padrão cultural sem tentar perceber nuances culturais e étnicos de todos os participantes do processo educacional.

Referencias

·BORGES, Edson, et al..Racismo, preconceito e intolerância.. São Paulo: Atual, 2002;

·CHAIB, Lídia. Ogum, o rei de muitas faces e outras histórias dos orixás.São Paulo: Cia das Letras, 2000;

·CHIAVENATO, José Júlio. O negro no Brasil: da senzala à abolição. São Paulo: Moderna, 1999;

·DEL PRIORE, Mary e VENÂNCIO, Renato Pinto (org.). Ancestrais: uma introdução à História da África Atlântica;

·GENOVESE, Eugene Dominick. Da Rebelião à Revolução: as revoltas de escravos negros nas Américas.São Paulo: Global, 1983;

·INOCÊNCIO da SILVA, Nelson Fernando. Consciência negra em cartaz. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2001;

·KENSKI, Rafael. Vencendo na Raça. In: Revista Superinteressante, edição 187, p. 42-50. São Paulo: Abril, 2003;

·MARQUES, Adhemar, et al.. História do Tempo Presente. São Paulo: Contexto, 2003;

·MEC/SEPPIR. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Racias e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: Seppir/MEC, 2004;

·MJ/SEDH/DPDH. Discriminação- crimes por raça e cor. Brasília: MJ, 2001;

·NEVES, MARIA DE Fátima Rodrigues das (org.). documentos sobre a escravidão no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006;

·OLIVEIRA,Iolanda (org.). Relações raciais e educação: novos desafios. Rio de Janeiro: DP&A, 2003;

·SENADO FEDERAL(Sebastião Rocha). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: SEEP,2000;

·TREVISAN, Leonardo. Abolição: um suave jogo político. São Paulo: Moderna, 1988.

Ao usar este artigo, mantenha os links e faça referência ao autor:
Relações Étnico-Raciais No Brasil publicado 14/10/2008 por Glauciela Sobrinho Cunha Pantoja Ferreira em http://www.webartigos.com









Fonte: http://www.webartigos.com/articles/10132/1/Relacoes-Etnico-Raciais-No-Brasil/pagina1.html#ixzz0zhuhFAvi

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Todo o esforço para combater o racismo é necessário !!!

Ajude a Construir!
Educação das Relações Étnicos-Raciais

O sucesso das políticas públicas do Estado brasileiro, institucionais e pedagógicas, visando reparações, reconhecimento e valorização da identidade, da cultura e da história dos negros brasileiros, depende necessariamente de condições físicas, materiais, intelectuais e afetivas favoráveis para o ensino e para as aprendizagens; em outras palavras, todos os alunos negros e não negros, bem como os seus professores, precisam sentir-se valorizados e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da reeducação das relações entre negros e brancos, o que aqui estamos designando como relações étnico-raciais. Depende, ainda, de trabalho conjunto, articulação entre processos educativos escolares, políticas públicas e movimentos sociais, visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e políticas nessas relações não se limitam à escola.

É importante destacar que se entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosas, nada tendo a ver com o conceito biológico de raça cunhado no século 18 e, hoje, sobejamente superado. Cabe esclarecer que o termo raça é utilizado com freqüência, nas relações sociais brasileiras, para informar como determinadas características físicas — como cor de pele, tipo de cabelo, entre outras — influenciam, interferem e, até mesmo, determinam o destino e o lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira.

Contudo, o termo foi ressignificado pelo Movimento Negro, que, em várias situações, utiliza-o com um sentido político e de valorização do legado deixado pelos africanos. É importante, também, explicar que o emprego do termo étnico, na expressão étnico-racial, serve para marcar que essas relações tensas, devidas a diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos, são também devidas à raiz cultural plantada na ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valores e princípios das de origens indígena, européia e asiática.

Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas. Ainda persiste, em nosso país, um imaginário étnico-racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes européias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras, que são a indígena, a africana e a asiática.

Os diferentes grupos, em sua diversidade, que constituem o Movimento Negro brasileiro têm comprovado o quanto é dura a experiência dos negros de terem julgados negativamente seu comportamento, suas idéias e suas intenções antes mesmo de abrirem a boca ou tomarem qualquer iniciativa. Têm, eles, insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e que os obriga a negarem a tradição do seu povo.

Se não é fácil ser descendente de seres humanos escravizados e forçados à condição de objetos utilitários ou semoventes, também é difícil descobrir-se descendente dos escravizadores, temer, embora veladamente, revanche dos que, por cinco séculos, têm sido desprezados e massacrados.


"A presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira
ser composta de negros (de acordo com o censo do IBGE) não têm sido
suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas".

Para reeducar as relações étnico-raciais no Brasil, é necessário fazer emergir as dores e os medos que têm sido gerados. É preciso entender que o sucesso de uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostas a outros. E, então, decidir que sociedade queremos construir daqui para frente.

Como salientou Frantz Fanon¹, os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades provocadas por seus antepassados. No entanto, têm, eles, as responsabilidades moral e política de combater o racismo, as discriminações e, juntamente com os que vêm sendo mantidos à margem — os negros —, construir relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não fossem por essas razões, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do muito que o trabalho escravo possibilitou ao País.

Assim sendo, a educação das relações étnico-raciais impõe aprendizagens entre brancos e negros, trocas de conhecimentos, quebra de desconfianças: um projeto conjunto para a construção de uma sociedade justa, igual, equânime.

Combater o racismo, trabalhar pelo fim da desigualdade social e racial, empreender reeducação das relações étnico-raciais não são tarefas exclusivas da escola. As formas de discriminação de qualquer natureza não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e as discriminações correntes na sociedade perpassam por ali.

Para que as instituições de ensino desempenhem a contento o papel de educar, é necessário que se constituam em espaço democrático de produção e divulgação de conhecimentos e de posturas que visam uma sociedade justa. A escola tem papel preponderante na eliminação das discriminações e na emancipação dos grupos discriminados ao proporcionar acesso aos conhecimentos científicos, aos registros culturais diferenciados, à conquista de racionalidade que rege as relações sociais e raciais e aos conhecimentos avançados, indispensáveis para a consolidação e o concerto das nações como espaços democráticos e igualitários.

Para obter êxito, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm de desfazer a mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo europeu, reestruturando as relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos. Isso não pode ficar reduzido a palavras e a raciocínios desvinculados da experiência de serem inferiorizados vivida pelos negros, tampouco das baixas classificações que lhes são atribuídas nas escalas de desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas.

Diálogo com estudiosos que analisam, criticam essas realidades e fazem propostas, bem como com grupos do Movimento Negro presentes em diferentes regiões e estados, assim como em inúmeras cidades, é imprescindível para que se vençam as discrepâncias entre o que se sabe e a realidade, se compreendam as concepções e ações uns dos outros e se elabore um projeto comum de combate ao racismo e a discriminações.

Temos, pois, pedagogias de combate ao racismo e a discriminações por criar. É claro que há experiências de professores e de algumas escolas, ainda isoladas, que muito vão ajudar.

Para empreender a construção dessas pedagogias, é fundamental que se desfaçam alguns equívocos. Um deles diz respeito à preocupação de professores no sentido de designar ou não seus alunos negros como negros ou como pretos sem ofensas.

Em primeiro lugar, é importante esclarecer que ser negro, no Brasil, não se limita às características físicas. Trata-se, também, de uma escolha política. Por isso, o é quem assim se define. Em segundo lugar, cabe lembrar que preto é um dos quesitos utilizados pelo IBGE para classificar, ao lado dos outros — branco, pardo, indígena —, a cor da população brasileira.

É importante tomar conhecimento da complexidade que envolve o processo de construção da identidade negra em nosso país. Processo esse marcado por uma sociedade que, para discriminar os negros, utiliza-se tanto da desvalorização da cultura de matriz africana como dos aspectos físicos herdados pelos descendentes de africanos. Nesse processo complexo, é possível, no Brasil, que algumas pessoas de tez clara e traços físicos europeus, em virtude de o pai ou a mãe ser negro(a), se designem negros; que outros, com traços físicos africanos, se digam brancos. É preciso lembrar que o termo negro começou a ser usado pelos senhores para designar, pejorativamente, os escravizados, e esse sentido negativo da palavra se estende até hoje. Contudo, o Movimento Negro ressignificou esse termo, dando-lhe um sentido político positivo. Lembremos os motes muito utilizados no final dos anos 1970 e no decorrer dos anos 1980 e 1990: Negro é lindo!, Negra, cor da raça brasileira!, Negro que te quero negro!, 100% negro!, Não deixe sua cor passar em branco!. Este último foi utilizado na campanha do censo de 1990.

Outro equívoco a enfrentar é a afirmação de que os negros se discriminam entre si, que são racistas também. Essa constatação tem de ser analisada no quadro da ideologia do branqueamento que divulga a idéia e o sentimento de que as pessoas brancas seriam mais humanas, teriam inteligência superior e, por isso, teriam o direito de comandar e de dizer o que é bom para todos. Cabe lembrar que, na pós-abolição, foram formuladas políticas que visavam o branqueamento da população pela eliminação simbólica e material da presença dos negros. Nesse sentido, é possível que pessoas negras sejam influenciadas pela ideologia do branqueamento e, assim, tendam a reproduzir o preconceito do qual são vítimas. O racismo imprime marcas negativas na subjetividade dos negros e também na dos que os discriminam.

Mais um equívoco a superar é a crença de que a discussão sobre a questão racial se limita ao Movimento Negro e a estudiosos do tema, e não à escola. A escola, enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politicamente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, sua crença religiosa ou sua posição política. O racismo, segundo o artigo 5º da Constituição brasileira, é crime inafiançável, e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive à escola.

Outro ponto de vista equivocado a esclarecer é o de que o racismo, o mito da democracia racial e a ideologia do branqueamento só atingem os negros. Enquanto processos estruturantes e constituintes da formação histórica e social brasileira, estes estão arraigados no imaginário social e atingem negros, brancos e outros grupos étnico-raciais. As formas, os níveis e os resultados desses processos incidem de maneira diferente sobre os diversos sujeitos e interpõem diferentes dificuldades nas suas trajetórias de vida escolar e social. Por isso, a construção de estratégias educacionais que visem ao combate do racismo é uma tarefa de todos os educadores, independentemente do seu pertencimento étnico-racial.

Pedagogias de combate ao racismo e a discriminações elaboradas para promover a educação das relações étnico-raciais positivas têm como objetivo fortalecer, entre os negros, e despertar, entre os brancos, a consciência negra. Entre os negros, poderão oferecer conhecimentos e segurança para orgulharem se da sua origem africana; para os brancos, poderão permitir que identifiquem as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver, de se relacionar com as outras pessoas, notadamente as negras. Também farão parte de um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que têm em relação ao segmento negro da população, possibilitando uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial e a construção de ações afirmativas nos diferentes níveis de ensino da educação brasileira.

Tais pedagogias precisam estar atentas para que todos — negros e não negros —, além de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade e para o exercício profissional competente, recebam formação que os capacite para forjar novas relações étnico-raciais. Para tanto, há necessidade, como já vimos, de professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimento e, além disso, sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes e palavras preconceituosas. Daí a necessidade de se insistir e investir nos professores, para que, além de sólida formação na área específica de atuação, recebam formação que os capacite não só a compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial, mas a lidar positivamente com elas e, sobretudo, criar estratégias pedagógicas que possam auxiliá-las e reeducá-las.

Até aqui, apresentaram-se orientações que justificam e fundamentam as determinações de caráter normativo que seguem.

HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA DETERMINAÇÕES

A obrigatoriedade de inclusão de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com essa medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e a cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da História e Cultura Afro-brasileira e Africana não se restringe à população negra. Ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no seio de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática.

É importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico marcadamente de raiz européia para um africano, mas de ampliar o foco dos currículos escolares para a diversidade cultural, racial, social e econômica brasileira. Nessa perspectiva, cabe às escolas incluir, no contexto dos estudos, atividades que abordem diariamente as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raízes africana e européia. É preciso ter clareza que o art. 26, acrescido à Lei nº 9.394/1996, provoca bem mais do que inclusão de novos conteúdos; exige que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas.

A autonomia dos estabelecimentos de ensino para compor os projetos pedagógicos, no cumprimento do exigido pelo art. 26 da Lei nº 9.394/1996, permite que se valham da colaboração das comunidades a que a escola serve, do apoio direto ou indireto de estudiosos e do Movimento Negro, com os quais estabelecerão canais de comunicação, encontrarão formas próprias de incluir, nas vivências promovidas pela escola, inclusive em conteúdos de disciplinas, as temáticas em questão. Caberá, aos sistemas de ensino e aos professores, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, unidades de estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares. Caberá aos administradores dos sistemas de ensino e das entidades mantenedoras prover as escolas, seus professores e alunos de material bibliográfico e de outros materiais didáticos, além de acompanhar os trabalhos desenvolvidos, a fim de evitar que questões tão complexas, muito pouco tratadas, tanto na formação inicial como continuada de professores, sejam abordadas de maneira resumida, incompleta, com erros.

Em outras palavras, aos estabelecimentos de ensino, está sendo atribuída a responsabilidade de acabar com o modo falso e reduzido de tratar a contribuição dos africanos escravizados e de seus descendentes para a construção da nação brasileira; de fiscalizar, para que, no seu interior, os alunos negros deixem de sofrer os continuados atos de racismo de que são vítimas. Sem dúvida, assumir essas responsabilidades implica compromisso com o entorno sociocultural da escola, da comunidade onde esta se encontra e a que serve; implica compromisso com a formação de cidadãos atuantes e democráticos — capazes de compreender as relações sociais e étnico-raciais de que participam e ajudam a manter e/ou a reelaborar, capazes de decodificar palavras, fatos e situações com base em diferentes perspectivas; de atuarem em áreas de competências que lhes permitam continuar e aprofundar estudos em diferentes níveis de formação.

O Brasil, país multiétnico e pluricultural. Precisa de organizações escolares em que todos se vejam incluídos, em que lhes seja garantido o direito de aprender e de ampliar conhecimentos, sem serem obrigados a negar a si mesmos e aos grupos étnico-raciais a que pertencem e a adotar costumes, idéias e comportamentos que lhes são adversos. E esses, certamente, serão indicadores da qualidade da educação que estará sendo oferecida pelos estabelecimentos de ensino de diferentes níveis.

Para conduzir suas ações, os sistemas de ensino, os estabelecimentos e os professores terão como referência — entre outras, pertinentes às bases filosóficas e pedagógicas que assumem — os princípios a seguir explicitados.

CONSCIÊNCIA POLÍTICA E HISTÓRICA DA DIVERSIDADE

Este princípio deve conduzir:

* À igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos.

* À compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas, e que, em conjunto, constroem, na nação brasileira, sua história.

* Ao conhecimento e à valorização da história dos povos africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e cultural do País.

* À superação da indiferença, injustiça e desqualificação com que os negros, os povos indígenas e também as classes populares, às quais os negros, no geral, pertencem, são comumente tratados.

* À desconstrução, por meio de questionamentos e análises críticas, objetivando eliminar conceitos, idéias, comportamentos veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da democracia racial, que tanto mal fazem a negros e brancos.

* À busca, da parte de pessoas, em particular de professores não familiarizados com a análise das relações étnico-raciais e sociais com o estudo de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, de informações e subsídios que lhes permitam formular concepções não baseadas em preconceitos e construir ações respeitosas.

* Ao diálogo, fundamental para o entendimento entre diferentes, com a finalidade de negociações, tendo em vista objetivos comuns, visando uma sociedade justa.

FORTALECIMENTO DE IDENTIDADES E DE DIREITOS

O princípio deve orientar para:

* O desencadeamento de processo de afirmação de identidades, de historicidade negada ou distorcida.

* O rompimento com as imagens negativas, forjadas por diferentes meios de comunicação, contra os negros e os povos indígenas.

* Os esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma identidade humana universal.

* O combate à privação e à violação de direitos.

* A ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da nação brasileira e sobre a recriação das identidades, provocada por relações étnico-raciais.

* As excelentes condições de formação e de instrução que precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e na modalidade de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas rurais.

AÇÕES EDUCATIVAS DE COMBATE AO RACISMO E A DISCRIMINAÇÕES

O princípio encaminha para:

* A conexão dos objetivos, das estratégias de ensino e atividades com a experiência de vida dos alunos e professores, valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da sociedade.

* A crítica, pelos coordenadores pedagógicos, orientadores educacionais, professores, das representações dos negros e de outras minorias nos textos, nos materiais didáticos, bem como as providências para corrigi-las.

* As condições para professores e alunos pensarem, decidirem, agirem, assumindo responsabilidade por relações étnico-raciais positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos e contestações, valorizando os contrastes das diferenças.

* A valorização da oralidade, da corporeidade e da arte — por exemplo, a dança —, marcas da cultura de raiz africana, ao lado da escrita e da leitura.

* Educação patrimonial, aprendizado com base no patrimônio cultural afro-brasileiro, visando preservá-lo e difundi-lo.

* O cuidado para que se dê um sentido construtivo à participação dos diferentes grupos sociais e étnico-raciais na construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais.

* A participação de grupos do Movimento Negro e de grupos culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de projetos político-pedagógicos que contemplem a diversidade étnico-racial.

Esses princípios e seus desdobramentos mostram exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições culturais. É nesse sentido que se fazem as seguintes determinações:

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, evitando-se distorções, envolverá articulação entre passado, presente e futuro no âmbito de experiências, construções e pensamentos produzidos em diferentes circunstâncias e realidades do povo negro. É um meio privilegiado para a educação das relações étnico-raciais e tem por objetivos o reconhecimento e a valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros; a garantia de seus direitos de cidadãos; e o reconhecimento e a igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, européias, asiáticas.

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana se fará por diferentes meios, em atividades curriculares ou não, em que se explicitem, busquem compreender e interpretar, na perspectiva de quem o formule, diferentes formas de expressão e de organização de raciocínios e pensamentos de raiz da cultura africana; promovam-se oportunidades de Diálogo em que se conheçam, se ponham em comunicação diferentes sistemas simbólicos e estruturas conceituais, bem como se busquem formas de convivência respeitosa, além da construção de projeto de sociedade em que todos se sintam encorajados a expor, a defender sua especificidade étnico-racial e a buscar garantias para que todos o façam; sejam incentivadas atividades em que pessoas — estudantes, professores, servidores, integrantes da comunidade externa aos estabelecimentos de ensino — de diferentes culturas interatuem e se interpretem reciprocamente, respeitando os valores, as visões de mundo, os raciocínios e os pensamentos de cada um.

* O ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e a educação das relações étnico-raciais, tal como explicita o presente parecer, serão desenvolvidas no cotidiano das escolas, nos diferentes níveis e modalidades de ensino, como conteúdo de disciplinas, particularmente Educação Artística, Literatura e História do Brasil, sem prejuízo das demais, em atividades curriculares ou não, trabalhos em salas de aula, nos laboratórios de Ciências e de Informática, na utilização de sala de leitura, biblioteca, brinquedoteca, áreas de recreação, quadra de esportes e outros ambientes escolares.

* O ensino de História Afro-brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras — incluindo a história dos quilombos, a começar pelo de Palmares, e de remanescentes de quilombos — que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade.

* Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da população afro-brasileira na pós-abolição e de divulgação dos significados da Lei Áurea para os negros. No 20 de novembro, será celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente neste parecer. Entre outras datas de significado histórico e político, deverá ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial.

* A História da África, tratada em perspectiva positiva, e não só de denúncia da miséria e das discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes, será feita articuladamente com a história dos afro-descendentes no Brasil, e serão abordados temas relativos ao papel dos anciãos e dos griots como guardiães da memória histórica; à história da ancestralidade e religiosidade africana; aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbábue; ao tráfico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no tráfico; à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; às lutas pela independência política dos países africanos; às ações em prol da união africana em nossos dias, bem como o papel da União Africana, para tanto; às relações entre as culturas e as histórias da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África; à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, no Caribe, na Europa, na Ásia; aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre a África, o Brasil e outros países da diáspora.

* O ensino de Cultura Afro-brasileira destacará o jeito próprio de ser, viver e pensar, manifestado tanto no dia-a-dia quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaios, maracatus, rodas de samba, entre outras.

* O ensino de Cultura Africana abrangerá: as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; as universidades africanas Timbuktu, Gao e Djene, que floresceram no século 16; as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a produção científica, artística (artes plásticas, literatura, música, dança, teatro) e política na atualidade.

* O ensino de História e de Cultura Afro-brasileira se fará por diferentes meios, inclusive pela realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e ao estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da História do Brasil; na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística e de luta social (tais como: Zumbi, Luiza Nahim, Aleijadinho, Padre Maurício, Luiz Gama, Cruz e Souza, João Cândido, André Rebouças, Teodoro Sampaio, José Correia Leite, Solano Trindade, Antonieta de Barros, Edison Carneiro, Lélia Gonzáles, Beatriz Nascimento, Milton Santos, Guerreiro Ramos, Clóvis Moura, Abdias do Nascimento, Henrique Antunes Cunha, Tereza Santos, Emmanuel Araújo, Cuti, Alzira Rufino, Inaicyra Falcão dos Santos, entre outros).

* O ensino de História e Cultura Africana se fará por diferentes meios, inclusive pela realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e ao estudo da participação dos africanos e de seus descendentes na diáspora, em episódios da história mundial, na construção econômica, social e cultural das nações do continente africano e da diáspora, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social (entre outros: Rainha Nzinga, Toussaint L’Ouverture, Martin Luther King, Malcolm X, Marcus Garvey, Aimé Césaire, Léopold Senghor, Mariama Bâ, Amílcar Cabral, Cheik Anta Diop, Steve Biko, Nelson Mandela, Aminata Traoré, Christiane Taubira).

Para tanto, os sistemas de ensino e os estabelecimentos de Educação Básica, nos níveis de Educação Infantil, Educação Fundamental, Educação Média, Educação de Jovens e Adultos e Educação Superior, precisarão providenciar:

* Registro da história não contada dos negros brasileiros, por meio de remanescentes de quilombos, comunidades e territórios negros urbanos e rurais.

* Apoio sistemático aos professores para elaboração de planos, projetos, seleção de conteúdos e métodos de ensino, cujo foco seja a História e Cultura Afro-brasileira e Africana e a Educação das Relações Étnico-raciais.

* Mapeamento e divulgação de experiências pedagógicas de escolas, estabelecimentos de Ensino Superior e secretarias de educação, assim como levantamento das principais dúvidas e dificuldades dos professores em relação ao trabalho com a questão racial na escola e encaminhamento de medidas para resolvê-las, feitos pela administração dos sistemas de ensino e por Núcleos de Estudos Afro-brasileiros.

* Articulação entre os sistemas de ensino, estabelecimentos de Ensino Superior, centros de pesquisa, Núcleos de Estudos Afrobrasileiros, escolas, comunidade e movimentos sociais, visando a formação de professores para a diversidade étnico-racial.

* Instalação, nos diferentes sistemas de ensino, de grupo de trabalho para discutir e coordenar planejamento e execução da formação de professores para atender ao disposto neste parecer quanto à Educação das Relações Étnico-raciais e ao determinado nos art. 26 e 26A da Lei nº 9.394/1996, com o apoio do Sistema Nacional de Formação Continuada e Certificação de Professores do MEC.

* Introdução, nos cursos de formação de professores e de outros profissionais da educação: de análises das relações sociais e raciais no Brasil; de conceitos e de suas bases teóricas, tais como racismo, discriminações, intolerância, preconceito, estereótipo, raça, etnia, cultura, classe social, diversidade, diferença, multiculturalismo; de práticas pedagógicas, de materiais e de textos didáticos, na perspectiva da reeducação das relações étnico-raciais e do ensino–aprendizagem da história e da cultura dos afro-brasileiros e dos africanos.

* Inclusão de discussão da questão racial como parte integrante da matriz curricular, tanto dos cursos de licenciatura — para Educação Infantil, anos iniciais e finais da Educação Fundamental, Educação Média e Educação de Jovens e Adultos — como de processos de formação continuada de professores, inclusive de docentes no Ensino Superior.

* Inclusão, respeitada a autonomia dos estabelecimentos do Ensino Superior, nos conteúdos de disciplinas e em atividades curriculares dos cursos que ministra, de Educação das Relações Étnico-raciais, de conhecimentos de matriz africana e/ou que dizem respeito à população negra. Por exemplo: em Medicina, entre outras questões, estudo da anemia falciforme e da problemática da pressão alta; em Matemática, contribuições de raiz africana, identificadas e descritas pela Etno-matemática; em Filosofia, estudo da filosofia tradicional africana e de contribuições de filósofos africanos e afro-descendentes da atualidade.

* Inclusão, nos programas de concursos públicos para admissão de professores, de bibliografia relativa à História e Cultura Afro-brasileira e Africana, às relações étnico-raciais, aos problemas desencadeados pelo racismo e por outras discriminações e à pedagogia antiracista. Inclusão, em documentos normativos e de planejamento dos estabelecimentos de ensino de todos os níveis — estatutos, regimentos, planos pedagógicos, planos de ensino —, de objetivos explícitos, assim como de procedimentos para sua consecução, visando o combate do racismo e das discriminações e ao reconhecimento, à valorização e ao respeito das histórias e culturas afro-brasileira e africana.

* Previsão, nos fins, nas responsabilidades e nas tarefas dos conselhos escolares e de outros órgãos colegiados, do exame e encaminhamento de solução para situações de racismo e de discriminações, buscando-se criar situações educativas em que as vítimas recebam apoio requerido para superar o sofrimento; os agressores, orientação para que compreendam a dimensão do que praticaram; e ambos, educação para o reconhecimento, a valorização e o respeito mútuos.

* Inclusão de personagens negros, assim como de outros grupos étnico-raciais, em cartazes e outras ilustrações sobre qualquer tema abordado na escola, a não ser quando tratar de manifestações culturais próprias, ainda que não exclusivas, de um determinado grupo étnico-racial.

* Organização de centros de documentação, bibliotecas, midiotecas, museus, exposições, onde se divulguem valores, pensamentos, jeitos de ser e viver dos diferentes grupos étnico-raciais brasileiros, particularmente dos afrodescendentes.

* Identificação, com o apoio dos Núcleos de Estudos Afro-brasileiros, de fontes de conhecimentos de origem africana, a fim de se selecionarem conteúdos e procedimentos de ensino e de aprendizagens.

* Incentivo, pelos sistemas de ensino, a pesquisas sobre processos educativos orientados por valores, visões de mundo, conhecimentos afro-brasileiros e indígenas, com o objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas para a educação brasileira.

* Identificação, coleta, compilação de informações sobre a população negra, com vistas à formulação de políticas públicas de Estado, comunitárias e institucionais.

* Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer — em cumprimento ao disposto no art. 26A da LDB — e, para tanto, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afro-descendentes, sob o incentivo e a supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC —

* Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE).

* Divulgação, por sistemas de ensino e entidades mantenedoras, com o apoio dos Núcleos de
Estudos Afro-brasileiros, de uma bibliografia afro-brasileira e de outros materiais — como mapas da diáspora, da África e de quilombos brasileiros, fotografias de territórios negros urbanos e rurais, reprodução de obras de arte afro-brasileira e africana —, a serem distribuídos nas escolas da rede, com vistas à formação de professores e alunos para o combate à discriminação e ao racismo.

* Oferta de Educação Fundamental em áreas de remanescentes de quilombos, contando, as escolas, com professores e pessoal administrativo que se disponham a conhecer física e culturalmente a comunidade e a formar-se para trabalhar com suas especificidades.

* Garantia, por sistemas de ensino e entidades mantenedoras, de condições humanas, materiais e financeiras para execução de projetos com o objetivo de Educação das Relações Étnico-raciais e estudo de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, assim como organização de serviços e atividades que controlem, avaliem e redimensionem sua consecução, que exerçam fiscalização das políticas adotadas e providenciem correção de distorções.

* Realização, pelos sistemas de ensino federal, estadual e municipal, de atividades periódicas, com a participação das redes das escolas públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos êxitos e das dificuldades do ensino e da aprendizagem de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e da Educação das Relações Étnico-raciais, assim como comunicação detalhada dos resultados obtidos, encaminhada ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, para que encaminhem providências, quando for o caso.

* Adequação dos mecanismos de avaliação das condições de funcionamento dos estabelecimentos de ensino, tanto da educação básica quanto superior, ao disposto neste parecer, inclusive com a inclusão, nos formulários preenchidos pelas comissões de avaliação — nos itens relativos a currículo, atendimento aos alunos, projeto pedagógico e plano institucional —, de quesitos que contemplem as orientações e exigências aqui formuladas.

* Disponibilização deste parecer, na sua íntegra, para os professores de todos os níveis de ensino, responsáveis pelo ensino de diferentes disciplinas e atividades educacionais, assim como para outros profissionais interessados, a fim de que possam estudar, interpretar as orientações e enriquecê-las, executar as determinações aqui feitas e avaliar seu próprio trabalho e os resultados obtidos por seus alunos, considerando princípios e critérios apontados.

OBRIGATORIEDADE DO ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRAS, EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E OS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO

Diretrizes são dimensões normativas, reguladoras de caminhos, embora não fechadas a que, historicamente, possam, com base nas determinações iniciais, tomar novos rumos. Diretrizes não visam desencadear ações uniformes, todavia objetivam oferecer referências e critérios para que se implantem ações, as avaliem e reformulem no que e quando necessário.

Essas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, na medida em que procedem de ditames constitucionais e de marcos legais nacionais e do resgate de uma comunidade que povoou e construiu a nação brasileira, atingem o âmago do pacto federativo. Nessa medida, cabe aos Conselhos de Educação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios aclimatar tais diretrizes, dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes federativos, a seus respectivos sistemas, dando ênfase à importância de os planejamentos valorizarem, sem omitir outras regiões, a participação dos afro-descendentes, do período escravista aos nossos dias, na sociedade, economia, política, cultura da região e da localidade, definindo medidas urgentes para a formação de professores, incentivando o desenvolvimento de pesquisas, bem como envolvimento comunitário.

A esses órgãos normativos cabe, pois, a tarefa de adequar o proposto neste parecer à realidade de cada sistema de ensino. E, a partir daí, deverá ser competência dos órgãos executores — administrações de cada sistema de ensino, das escolas — definir estratégias que, quando postas em ação, viabilizarão o cumprimento efetivo da Lei de Diretrizes e Bases, que estabelece a formação básica comum, o respeito aos valores culturais, como princípios constitucionais da educação tanto quanto da dignidade da pessoa humana (inciso III do art. 1º), garantindo-se a promoção do bem de todos, sem preconceitos (inciso IV do art. 3º), a prevalência dos direitos humanos (inciso II do art. 4º) e o repúdio ao racismo (inciso VIII do art. 4º).

Cumprir a lei é, pois, responsabilidade de todos, e não apenas do professor em sala de aula. Exige-se, assim, um comprometimento solidário dos vários elos do sistema de ensino brasileiro, tendo-se como ponto de partida o presente parecer, que, junto com outras diretrizes, pareceres e resoluções, tem o papel articulador e coordenador da organização da educação nacional.
¹ FRANTZ, Fanon. Os condenados da terra. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979.

Fonte: Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana.